Parlamentares pedem que projeto de legalização do cultivo de maconha volte à pauta da Câmara

Fotografia mostra várias mudas de maconha em estágio inicial de crescimento, com quatro folhinhas, dispostas em uma bandeja sementeira. Imagem: Vecteezy | Chot Studio.

Matéria foi aprovada por comissão especial da Câmara em 2021 e, desde então, segue no limbo legislativo

A regulamentação da cannabis foi discutida em audiência pública da Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados nessa terça-feira (19). Os parlamentares e convidados favoráveis ao uso medicinal da maconha pediram ao Plenário da casa legislativa que vote o recurso apresentado contra o projeto que legaliza o cultivo da planta para fins médicos, veterinários e industriais.

O substituto do Projeto de Lei 399/2015, aprovado em 2021, legaliza o plantio, produção e comercialização de cannabis no país, exclusivamente para aqueles fins, por empresas ou associações de pacientes, desde que seja autorizado pelos órgãos reguladores competentes (Anvisa ou Ministério da Agricultura).

Aprovada pela Comissão Especial da Câmara que analisava o tema, a proposta tramitava em caráter conclusivo e deveria seguir para o Senado. No entanto, a matéria está parada há mais de dois anos por causa de um requerimento apresentado por deputados da base governista da época pedindo a análise do texto no Plenário.

Audiência Pública - Regulamentação da produção e aplicação para fins medicinais e terapêuticos da cannabis medicinal.

Audiência pública sobre a regulamentação da cannabis na Comissão de Legislação Participativa da Câmara.

O debate na CLP foi proposto pela deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) com o intuito de ampliar a articulação pela regulamentação da produção e aplicação para fins medicinais e terapêuticos da maconha.

“A cannabis é usada como planta terapêutica há milênios. Seus efeitos são reconhecidos por diversas culturas ancestrais e contemporâneas. Infelizmente sua proibição reflete o quadro de um Brasil marcado não só pelo racismo, porque em parte está associada aos quatro séculos de escravidão no Brasil, mas também pelo avanço de conservadorismo e fundamentalismo religioso, que infelizmente atravanca o que é uma vida mais digna para muitas famílias e muitas pessoas com deficiência”, explanou a parlamentar na abertura da audiência.

 

 

 

A parlamentar também enumerou uma série de doenças que podem ser tratadas com medicamentos à base da planta, como epilepsia, câncer e fibromialgia. “Seis milhões de brasileiros poderão ser beneficiados no tratamento de diversos tipos de doenças em virtude do enorme potencial medicinal da Cannabis sativa”, destacou.

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O deputado federal licenciado Paulo Teixeira (PT-SP), hoje ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, presidiu a comissão especial que analisou o PL 399 e apoia o texto.

“Essa ideia de que o Brasil vai importar os medicamentos não leva em consideração o orçamento da Saúde, as regras do arcabouço fiscal que o Parlamento votou. É uma contradição não permitir o avanço dessa indústria no país, da pesquisa sobre o tema e do tratamento dos pacientes brasileiros. Quero fazer um pedido, como parlamentar licenciado: deixem votar o recurso”, afirmou Teixeira sobre a inércia em dar prosseguimento à tramitação.

A vereadora Luciana Boiteux (PSOL-RJ) comparou a proibição do uso medicinal da maconha à proibição da morfina, um analgésico narcótico usado para alívio de dores intensas. “Fico imaginando se, no passado, tivessem de batalhar tanto para o acesso à morfina, que é um opioide com muitas finalidades. Não dá para pensar em lidar com a dor de muitos pacientes sem o acesso à morfina”, refletiu.

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O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP) também estava presente no debate e aproveitou o ensejo para anunciar que foi diagnosticado com a doença de Parkinson e está usando um produto derivado da cannabis no tratamento dos sintomas.

“Eu tinha um pouco de tremor nas mãos, uma dor muscular na perna esquerda. Além da medicação convencional que tomei, estou me tratando agora com a cannabis medicinal desde fevereiro deste ano e posso lhes dizer que estou me sentindo muito bem. A cannabis traz uma melhor qualidade de vida para todos”, declarou Suplicy.

O parlamentar revelou ainda que irá participar de um estudo de caso conduzido pelo pesquisador Francisney Nascimento, professor de Farmacologia Clínica na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), para avaliar os benefícios medicinais da maconha em tratamentos de saúde.

“É importante combatermos o estigma contra a cannabis porque ela promove a qualidade de vida para as pessoas com Alzheimer, ansiedade, artrite, glaucoma, dor crônica, esclerose múltipla, insônia, depressão, esquizofrenia, endometriose, epilepsia, síndrome de Dravet, doença de Parkinson, além das doenças do espectro autista, entre outras tantas. É fundamental garantir, a todos, acesso à cannabis, proporcionando, assim, acesso à saúde”, ressaltou Suplicy.

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No Senado também tramita um projeto que trata sobre o tema. O PL 89/2023, do senador Paulo Paim, visa instituir uma política nacional de fornecimento gratuito de medicamentos formulados de derivado vegetal à base de maconha nas unidades de saúde públicas e privadas conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Atualmente, a Lei de Drogas (11.343/2006) proíbe o plantio, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas tornadas ilícitas. Não entram na proibição, no entanto, plantas de uso estritamente ritualístico-religioso e para fins medicinais e científicos.

O médico Rodrigo Cariri, coordenador-geral de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, informou na audiência que a pasta enxerga os produtos derivados da maconha como potenciais recursos terapêuticos para um conjunto expressivo de condições clínicas.

“Consideramos as evidências científicas e tomamos essa posição a partir das análises de evidências disponíveis na literatura. Por isso, temos compromisso inegociável com a ciência e com a vida acima de tudo. É desse lugar que a gente enxerga que os produtos de maconha são potenciais recursos terapêuticos”, argumentou.

Dezenas de milhares de estudos revisados por pares mostram como a maconha apresenta bons resultados no tratamento de várias doenças.

Na Câmara, familiares relataram que os produtos de cannabis reduzem a frequência de convulsões em suas crianças — de dezenas de eventos por dia para um ou dois por semana.

Em razão da falta de regulamentação, o acesso ao tratamento à base de cannabis ainda é caro e burocrático no país. Os pacientes brasileiros que necessitam da planta em seu tratamento de saúde possuem basicamente quatro vias para acessar a medicação: importação dos produtos, compra nas farmácias, associações canábicas ou autocultivo com autorização da justiça.

Em sessão realizada na semana passada, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que os pacientes que cultivam maconha para uso em seu tratamento de saúde não podem ser acusados por tráfico ou outros delitos previstos na lei de drogas, desde que amparados por um habeas corpus preventivo.

Ainda assim, muitos pacientes não possuem condições financeiras para arcar nem mesmo com o processo para obtenção de habeas corpus — que demanda vários custos, como curso de cultivo/extração e serviço advocatício especializado — e precisam acionar o Poder Público na justiça para receberem o tratamento à base da planta.

Em onze estados brasileiros, mais o Distrito Federal, já existem leis que obrigam o poder público a fornecer produtos medicinais derivados da cannabis — no entanto, com exceção do DF, nenhuma unidade federativa com legislação de maconha medicinal deu início à distribuição dos medicamentos no SUS.

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Imagem de capa: Vecteezy | Chot Studio.

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