STJ: Cultivo de cannabis para fins medicinais é defendido por expositores em audiência pública

Foto em vista inferior que mostra várias folhas de uma planta de cannabis (cânhamo), com folíolos longos e serrilhados que contrastam com um céu com nuvens. Foto: Pixabay.

A produção nacional da planta e seus benefícios medicinais nortearam o debate

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) realizou nesta quinta-feira (25) uma audiência pública onde representantes de órgãos públicos e entidades privadas discutiram a possibilidade de importação de sementes e plantio de variedades de Cannabis sativa com baixo teor de THC (tetraidrocanabinol) — também denominadas como cânhamo — para a produção de medicamentos e outros produtos com finalidades medicinais, farmacêuticas ou industriais.

A audiência teve como objetivo subsidiar com informações técnicas e científicas o debate no STJ no contexto do Incidente de Assunção de Competência (IAC) 16, instaurado em março de 2023 na Primeira Seção da corte e que tem como relatora a ministra Regina Helena Costa.

Segundo a ministra, foram recebidos 55 pedidos de pessoas e instituições interessadas em participar da audiência, sendo 48 favoráveis à concessão de autorização sanitária para importação e cultivo das variedades de maconha com baixo teor de THC, e sete defensoras da tese de que não há amparo técnico ou científico para tal medida — foram selecionados os sete expositores contrários e 17 favoráveis.

Também acompanharam a audiência presencialmente os ministros Herman Benjamin e Rogerio Schietti Cruz e o subprocurador-geral da República Aurélio Virgílio Veiga Rios.

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O debate nesta quinta, de forma geral, mostrou como o Brasil necessita urgentemente de uma regulação e tem condições de permitir a produção de cannabis em solo nacional, tanto para atender à necessidade de milhares de pacientes quanto para diminuir o custo do Estado.

O representante da empresa DNA Soluções em Biotecnologia Eireli, Arthur Ferrari Arsuffi, recorrente no incidente de assunção, destacou que o tema enfrenta muita resistência em razão do desconhecimento e do preconceito. “O IAC trata da possibilidade de importação de sementes e de plantio de cânhamo industrial, que é uma variante da cannabis, mas que, diferentemente da planta usada como droga, somente tem potencial para uso farmacêutico, medicinal e industrial. Não se discute aqui a descriminalização das drogas”, ponderou.

A cannabis tem se mostrado muito eficaz para o tratamento de várias doenças. Porém, o representante da empresa observou que, por conta da restrição regulatória, toda a matéria-prima precisa ser importada. “É um protecionismo às avessas: podemos produzir os medicamentos aqui, mas temos que importar a matéria-prima. Quem se beneficia com isso? Não é o cidadão brasileiro, cujos produtos acabam encarecendo”, questionou.

O cultivo da maconha no país geraria redução de custos tanto para a população e quanto para o próprio Estado, uma vez que o Sistema Único de Saúde (SUS) fornece os medicamentos à base da planta em algumas situações, como para atender a ações judiciais.

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Especialista da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Renata de Morais Souza explanou sobre as convenções sobre entorpecentes da ONU de 1961 e de 1971, ratificadas pelo Brasil, que permitem o uso da cannabis para fins médicos e científicos, e lembrou que a Lei de Drogas (11.343/2006) também permite o cultivo da planta para uso medicinal.

O gerente de medicamentos da Anvisa, João Paulo Silveiro Perfeito, por sua vez, apresentou estudos que demonstram a eficácia da cannabis no tratamento de várias doenças e destacou que é preciso mostrar que o uso medicinal da maconha é seguro. “Hoje, há uma variedade enorme de produtos com composições diversas, usados em apresentações diversas, para finalidades diversas, que nos coloca em uma posição desafiadora sobre as necessidades específicas de cada produto”, observou.

Para Bruno Cesar Gonçalves da Silva, representante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é fundamental uma disposição normativa para o Poder Judiciário lidar com as situações de pacientes que, atualmente, enfrentam acusações criminais por cultivar maconha para fins medicinais, apesar de possuírem autorização para importar o medicamento. “É um caso de saúde, e não de polícia. Temos que tirar essa situação do âmbito penal”, concluiu.

A auditora fiscal federal agropecuária Izabela Mendes Carvalho ressaltou que a responsabilidade do Ministério da Agricultura está relacionada à regulamentação dos produtos de origem vegetal de forma geral, não tendo competência para regulamentar formas específicas. Segundo ela, uma vez autorizada a importação de sementes de cannabis pelos órgãos competentes, os procedimentos do ministério serão os mesmos utilizados para qualquer outra importação.

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Cláudia Marin, representante da Associação Canábica em Defesa da Vida, falou sobre a condição de seu filho, que tem epilepsia refratária. O garoto chegava a ter 80 convulsões por dia, e reduziu esse número para 50 após o uso do óleo de canabidiol (CBD). Porém, só depois da administração do óleo de maconha de espectro amplo (contendo todos os compostos da planta) é que as crises convulsivas cessaram.

O ministro Rogerio Schietti ressaltou a importância de debater o tema com olhar cuidadoso, sem nenhum tipo de preconceito e pautado na ciência, de forma laica.

“Já passou do tempo de deixarmos de tratar o assunto como política criminal; devemos tratá-lo como uma política de saúde pública. Não é mais possível ver tantos brasileiros sendo perseguidos criminalmente por estarem cuidando de sua saúde”, asseverou o magistrado, observando que o Brasil ainda está na “era medieval” em relação ao tema.

A psiquiatra e diretora-geral da Associação Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa, Eliane Lima Guerra Nunes, destacou a necessidade de regulamentação da maconha para prescrição de seu amplo espectro de componentes. “Não podemos ser punidos por falar da importância de substâncias proscritas para realizar nosso trabalho”, afirmou.

Representando o Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores (Gaets), as defensoras públicas Anelyse Santos de Freitas e Patrícia Landim Salha falaram sobre as dificuldades que os pacientes assistidos pelas defensorias enfrentam para ter acesso ao tratamento canábico, ressaltando que a regulação do cultivo de cannabis contribuiria para a diminuição do custo do medicamento para o consumidor e para o SUS.

O diretor jurídico do Instituto de Pesquisas Sociais e Econômicas da Cannabis (IPSEC), Pedro Gabriel Lopes, comentou sobre como o controle internacional de drogas permite o uso do cânhamo e deixa a cargo de cada país a regulamentação para fins medicinais e/ou industriais. Segundo o pesquisador, as convenções internacionais possuem exceções em relação à maconha, não estabelecendo restrições sobre sementes e folhas, por exemplo, o que facilitaria a regulação para o cultivo no Brasil. “Qualquer tipo de decisão a ser tomada a respeito do tema será estritamente baseada em parâmetros nacionais”, defendeu.

O representante do Conselho Federal de Biologia, Fabian Borghetti, explicou que a planta da cannabis possui vários quimiotipos e apresenta diferentes perfis farmacológicos, de acordo com as condições de cultivo e variedades cultivadas. “O foco do hemp é para a produção de fibra, o cânhamo no Brasil, enquanto que na marijuna ou maconha o foco seria principalmente para fins medicinais”, destacou.

O subprocurador-geral Aurélio Virgílio apontou para a necessidade de a Anvisa elaborar uma regulamentação mais clara e precisa sobre o uso medicinal da cannabis e criticou o “protecionismo invertido” que ocorre atualmente, em que “a gente estimula a importação mas não dá nenhum estímulo para os laboratórios que têm condições de fazer isso”.

As únicas pessoas que deturparam o debate no STJ nesta quinta com mentiras foram o procurador do Ministério Público de Minas Gerais, André Estevão Ubaldino, e o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), que proferiram absurdos sobre a cannabis, como o THC ser carcinógeno ou a legalização contribuir para o aumento da criminalidade.

Confira a íntegra da gravação da audiência pública:

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Imagem de capa: Pixabay | jasper-m.

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