Psiquiatras australianos prescrevem drogas psicodélicas após décadas de proibição

O uso de psilocibina e MDMA para tratar certas condições é permitido na Austrália desde julho do ano passado — reclassificação das substâncias ocorre em resposta à atual falta de opções para pacientes com doenças mentais específicas resistentes ao tratamento

Em um desenvolvimento histórico na medicina, psiquiatras australianos realizaram as primeiras sessões de administração de drogas psicodélicas em um ambiente clínico legal após décadas de proibição. Dois pacientes receberam tratamento com terapia assistida por psicodélicos em Melbourne com medicamentos fornecidos por uma instituição australiana de saúde mental.

O movimento ocorre depois que o governo da Austrália aprovou a prescrição de MDMA e psilocibina para certas condições de saúde mental, em fevereiro do ano passado. A decisão reclassificou as drogas da Lista 9 (substâncias proibidas) para a Lista 8 (drogas controladas).

Desde 1º de julho de 2023, os psiquiatras podem se inscrever no programa de Prescritores Autorizados da Administração de Produtos Terapêuticos (TGA), órgão equivalente à Anvisa no Brasil, para prescrever as substâncias como parte da terapia para pacientes com depressão resistente ao tratamento (psilocibina) e Transtorno de Estresse Pós-Traumático (MDMA).

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Os psiquiatras Eli Kotler e Ted Cassidy foram aprovados sob o esquema de prescritores autorizados após obterem o Certificado em Terapias Assistidas por Psicodélicos (CPAT) da Mind Medicine Australia, uma organização focada em expandir as opções de tratamento disponíveis para doenças mentais. A instituição concentra-se especificamente na aplicação clínica do MDMA e da psilocibina.

Cofundador do Monarch Mental Health Group, Cassidy publicou uma nota no LinkedIn anunciando que tratou uma paciente com transtorno de estresse pós-traumático resistente ao tratamento com MDMA.

“É um destaque na carreira para mim — um dia com a terapia assistida por MDMA alcançou mais do que normalmente é alcançado em um ano”, escreveu o psiquiatra. “É o primeiro tratamento de terapia assistida por psicodélicos já administrado fora dos protocolos de pesquisa e uso compassivo.”

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A decisão da TGA de reclassificar as substâncias para fins médicos de forma restritiva reconhece a atual falta de opções para pacientes com doenças mentais específicas resistentes ao tratamento e segue pedidos da Mind Medicine apresentados em março de 2022.

Em um comunicado, a organização diz que a decisão reconhece o crescente conjunto de evidências demonstrando que as terapias assistidas por drogas psicodélicas podem ajudar aqueles que sofrem de condições psiquiátricas resistentes ao tratamento, e o fato de que os tratamentos atualmente disponíveis têm impacto limitado ou nulo sobre esses pacientes.

“Com a epidemia de saúde mental aumentando progressiva e tragicamente, estamos entusiasmados em ver que as pessoas que sofrem de depressão resistente ao tratamento ou TEPT devem ser capazes de ter acesso a uma nova opção de tratamento que possa ajudá-las a se recuperar. Isto marca o início de uma grande mudança em nosso sistema de saúde mental”, comemorou Peter Hunt, presidente da Mind Medicine.

Kotler, por sua vez, afirmou que “este é um passo esperançoso em direção a um sistema de saúde mental que cure os seres humanos, em vez de tratar transtornos psiquiátricos, e que valorize a integração em detrimento da gestão dos sintomas”.

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O tratamento psicodélico é uma revolução para os pacientes que sofrem de TEPT. Um estudo publicado em 2021 na revista Nature Medicine indica que a terapia assistida por MDMA é altamente eficaz em indivíduos com TEPT grave, além de ser segura e bem tolerada. Os resultados foram confirmados por um segundo estudo, onde a droga psicodélica melhorou significativamente os sintomas do transtorno e o comprometimento funcional — ao final do período experimental, 71% dos participantes no grupo MDMA não preenchiam mais os critérios para um diagnóstico de TEPT, contra 47% no grupo placebo.

“O MDMA simultaneamente induz sentimentos pró-sociais e suaviza respostas a estímulos emocionalmente desafiadores e de medo , aumentando potencialmente a capacidade de indivíduos com TEPT de se beneficiarem da psicoterapia, reduzindo sensações de medo, ameaça e emocionalidade negativa”, escreveram os pesquisadores.

A psicoterapia assistida por MDMA visa permitir aos terapeutas investigar o trauma subjacente ao transtorno sem causar sofrimento emocional ao paciente. O objetivo é proporcionar tranquilidade aos indivíduos para que consigam reviver os eventos traumáticos sem serem prejudicados.

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Já a eficácia da psilocibina para tratar a depressão vem sendo apontada por vários estudos.

Em um estudo realizado com adultos portadores de depressão maior, pesquisadores da Johns Hopkins Medicine relataram que duas doses de psilocibina, administradas com o apoio de psicoterapia, produziram reduções rápidas e grandes nos sintomas depressivos, com a maioria dos participantes apresentando melhora e metade alcançando remissão durante o acompanhamento de quatro semanas.

Uma análise de exames cerebrais de pessoas que receberam tratamento para depressão, liderada pelo Centro de Pesquisa Psicodélica do Imperial College London, revelou que os indivíduos que responderam à terapia assistida por psilocibina mostraram aumento da conectividade cerebral até três semanas após o tratamento. Os pesquisadores associaram esse efeito a melhorias autorrelatadas na depressão.

Outro estudo, publicado na JAMA Network, descobriu que uma dose de psilocibina administrada com apoio psicológico foi associada a um efeito antidepressivo rápido e sustentado. “O tratamento com psilocibina foi associado a uma redução sustentada clinicamente significativa dos sintomas depressivos e da incapacidade funcional, sem eventos adversos graves”, escreveram os autores.

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Imagem de capa: Health News Florida.

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