Proibir flores de cannabis é vetar acesso à saúde e ao bem-estar

O consumo terapêutico das flores de cannabis ricas em CBD tem proporcionado bem-estar e alívio de diversas condições dos pacientes, que antes recorriam ao mercado ilícito para acessar um produto sem procedência e qualidade

Desde a Consulta Pública sobre a Resolução 2.324/2022 do Conselho Federal de Medicina (CFM), em novembro do ano passado, a Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides, a BRCann, um conglomerado de empresas especializadas no “desenvolvimento, produção e distribuição de insumos e produtos à base de canabinoides destinados ao uso médico e veterinário” no Brasil, vem sugerindo o veto à prescrição e importação de flores de cannabis no país, cerceando o direito e liberdade do médico e paciente em eleger o melhor produto para o tratamento de condições e outras doenças.

Em junho deste ano, o Painel S.A, da Folha, trouxe uma entrevista da presidente executiva da BRCann em que a Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides volta a atacar a via de acesso lícita às flores in natura e ainda critica a discussão da descriminalização do porte de drogas, no Supremo Tribunal Federal, sob a escusa de que isso acabará desviando o foco do uso de terapêutico da cannabis para fins adultos.

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Mais recentemente, na segunda, (26), outra notícia traz a opinião da mesma associação de empresas beneficiadas pela Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa, a RDC 327, de 2019. O artigo escrito por Ricardo Amorim para a revista Veja, faz o anúncio, ainda não oficial, de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não vai mais autorizar a importação de flores de cannabis in natura receitadas aos pacientes brasileiros.

Segundo o artigo de Amorim, “A decisão deve ser anunciada nos próximos dias e a extensão da proibição ainda é incerta. Segundo fontes próximas ao tema, após inúmeras considerações jurídicas e científicas, o órgão decidiu adotar uma interpretação ‘mais restritiva’ da decisão judicial que abriu caminho para a chegada das flores de cannabis no mercado brasileiro”.

 

 

 

De acordo com a matéria, Alex Machado, diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o órgão regulador está de mãos atadas e não pode indeferir os pedidos de importação das flores. “A RDC 660 (resolução da agência que define os critérios para a importação) foi elaborada a partir de uma decisão judicial (Ação Civil Pública nº 0090670-16.2014.4.01.3400) muito abrangente e acabou por abrir a porteira. Se quem requisita é um médico, a Anvisa não tem como impedir, tem que autorizar, uma vez que a finalidade da flor é medicinal. Mas esse não é o cenário ideal”, explica. Ao que tudo indica, a agência já reuniu os argumentos para mudar essa interpretação e passará a impedir a importação de flores a partir dos próximos dias.

Sem unanimidade

Pelo que tudo indica, ainda não há consenso da indústria, tanto dos que comercializam nas farmácias (RDC 327) quanto dos que exportam os produtos à base da cannabis para o Brasil (RDC 660). Segundo Amorim, a Associação Brasileira da Indústria de Canabinoide (BR Cann), que representa 19 empresas, foi procurada para se manifestar a respeito e se esquivou do assunto. Segundo apuração da coluna, a associação não conseguiu unanimidade entre seus membros para se posicionar.

Em declaração à Veja, Allan Paiotti, CEO da Cannect, associada a BR Cann, um marketplace que oferece produtos de cannabis (incluindo as flores) de marcas nacionais e internacionais, os esforços do mercado deveriam se concentrar em iniciativas que coíbam os desvios de finalidade e mau uso da RDC 660.

“Há um lobby inconsequente de parte do setor que quer banir flores. Se essa visão prevalecer, o que vai acontecer com quem faz uso desses produtos?” questiona Paiotti e afirma: “Esses pacientes vão recorrer à Justiça para manter seu tratamento. Nesse caso, em vez de termos um corpo técnico altamente qualificado à frente da questão, como a equipe da Anvisa, teremos juízes decidindo que tipo de produto será autorizado ou não. Ou seja, um cenário muito mais arriscado e incerto, que certamente vai prejudicar milhares de pacientes”.

“Chegamos à conclusão de que não devemos interferir na autoridade do médico, que é o responsável por aquela prescrição. Mas colocamos em prática um sistema rigoroso de controle, que avalia caso a caso quando a receita inclui flores de cannabis”.

Dos contrários aos favoráveis

A coluna Cannabiz traz opiniões favoráveis e contrárias às importações de flores de cannabis. Para Marcelo Galvão, fundador e CEO da Tegra Pharma, a prescrição indiscriminada das flores que vem ocorrendo no mercado gera excessos que acabam por desvirtuar o objetivo das flores.

“É como criar um mercado recreativo paralelo, de forma disfarçada, como se fosse medicinal. Esse tipo de prática já ocorreu em muitos países, como nos Estados Unidos, por exemplo, onde as prescrições foram desvirtuadas por muito tempo. E isso impediu o surgimento de um mercado estritamente medicinal por lá. O mesmo aconteceu também no Canadá e em Israel, onde os médicos e o setor de saúde se afastaram do uso medicinal da cannabis.”, explica.

Caroline Heinz, que atua há mais de 10 anos nesse mercado e hoje é sócia e fundadora da Flowermed, defende o potencial terapêutico das flores.

“Estou tendo que repetir tudo o que eu disse sobre sobre cannabis medicinal no passado, quando começaram as importações dos óleos. Agora tenho que esclarecer que as flores não vão causar dependência, não vão dar barato e não terão qualquer valor num eventual desvio para o mercado recreativo, uma vez que têm níveis muito baixos de THC, substância que causa o efeito psicoativo. Por outro lado, há inúmeras evidências clínicas e científicas que comprovam a eficácia das flores para inúmeras condições de saúde. Não podemos deixar esses pacientes desamparados”, afirma.

Embora a brecha que permite a importação de flores de cannabis para o Brasil não seja evidente na RDC 660, a Dra. Paula Dall’Stella explica que a administração da cannabis dessa forma tem sido aceita e recomendada por médicos em todo o mundo. Ela afirma: “Seguindo a experiência de outros países, onde é permitido o uso inalatório, podemos observar que o uso vaporizado da cannabis para fins medicinais pode oferecer algumas vantagens em comparação com outras formas de consumo”. A médica menciona ação rápida como uma dessas vantagens, pois os compostos ativos da cannabis são absorvidos rapidamente pelos pulmões e entram na corrente sanguínea, resultando em uma ação mais imediata do que outras formas de consumo, como a ingestão oral, que pode levar mais tempo para apresentar efeitos perceptíveis.

Dall’Stella também destaca algumas condições de saúde para as quais há evidências sólidas de eficácia no uso de flores de cannabis, tais como alívio da dor, redução da espasticidade muscular em pacientes com esclerose múltipla, paralisia cerebral e lesões da medula espinhal, controle de náuseas e vômitos associados a tratamentos de quimioterapia, radioterapia e doenças gastrointestinais, melhora do sono, redução da ansiedade e estresse, e estímulo do apetite em pacientes com câncer, HIV/AIDS e distúrbios alimentares.

Por outro lado, Galvão, da Tegra, defende a substituição das formas fumadas ou vaporizadas por produtos como spray nasal, sublingual e medicamentos contendo nano partículas, que, segundo ele, proporcionam efeitos semelhantes. Ele afirma: “Esses produtos têm apresentação farmacêutica, são testados e seguros. Fumar cannabis não é considerado a primeira opção de tratamento médico, exceto em casos de redução de danos, de resgate (em crises) e outros casos muito específicos, nos quais pode haver essa indicação. Mas até mesmo a vaporização pode ter efeitos prejudiciais à saúde, pois as temperaturas do vapor geralmente são muito altas”.

O que pensamos

A Smoke Buddies, que também possuí uma linha de flores de cannabis ricas em CBD, a Eleve, se posiciona contrária à possível alteração da RDC 660. O consumo terapêutico das flores de cannabis ricas em CBD tem proporcionado o bem-estar e o alívio de diversas condições dos pacientes, que antes de terem essa opção recorriam ao mercado ilícito para acessar um produto sem procedência e qualidade, sob o risco de sofrerem alguma punição legal por meio da Lei de Drogas 11.343/2006.

A partir da importação de flores in natura, pessoas passaram a ter acesso legal mediante ao atendimento com profissionais de saúde, proporcionando mais esclarecimentos, o consumo responsável e possibilidades de um tratamento de saúde. Um ponto que a Anvisa deve analisar e pesar para uma possível alteração da norma é a segurança dos consumidores e o consumo de um produto de qualidade certificada.

Revogar a RDC 660, principal via de acesso dos pacientes aos produtos de cannabis, como gomas, flores e óleos ricos em canabinoides, restringirá milhares de pessoas aos poucos mais de 20 produtos disponíveis nas farmácias através da RDC 327, contra os pouco mais de 500 produtos com importações autorizadas pela agência.

Como bem observou o nobre Ricardo Amorim, em seu artigo, “no entanto, se apenas as flores forem banidas, como é mais provável, o impacto será significativamente menor. Mas o barulho seguirá intenso e a briga deixará o contexto regulatório para ingressar, novamente, no Poder Judiciário”.

O que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária deveria fazer é punir empresas que estão desvirtuando as finalidades terapêuticas das flores de cannabis. Está cada vez mais comum a divulgação de ações oportunistas e condutas erradas que a agência precisa fiscalizar e punir especificamente, mas não prejudicar milhares de pacientes que utilizam a cannabis para o devido fim terapêutico.

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Doutora responde: em que casos as flores ricas em CBD são indicadas?

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Sobre Dave Coutinho

Carioca, Maconheiro, Ativista na Luta pela Legalização da Maconha e outras causas. CEO "faz-tudo" e Co-fundador da Smoke Buddies, um projeto que começou em 2011 e para o qual, desde então, tenho me dedicado exclusivamente.
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