Além do CBD e THC: estudo mostra como interação entre todos os compostos da maconha contribui para efeito terapêutico

Inflorescência apical de uma planta de maconha. Foto: Juan David Cano | Pexels.

Equipe liderada por pesquisadores da Universidade do Oeste de Sydney analisou as relações e sinergias entre as substâncias presentes na cannabis

Embora a pesquisa da cannabis tenha focado predominantemente nos canabinoides THC e CBD, outros compostos químicos da maconha desempenham um papel substancial nos efeitos terapêuticos da planta, segundo uma revisão abrangente da literatura científica.

Publicado recentemente na revista Molecules, o estudo destaca evidências sobre as interações colaborativas entre os constituintes da cannabis (canabinoides, terpenos e flavonoides) que sugerem um potencial terapêutico coletivo — ou seja, a ação combinada dos compostos produz efeitos sinérgicos que superam a eficácia da substância isolada: o famoso “efeito entourage” ou “efeito comitiva”.

“Na ciência da cannabis, os canabinoides, terpenos e flavonoides têm sido frequentemente ignorados, com grande parte da literatura focada predominantemente nos principais canabinoides THC e CBD. No entanto, evidências emergentes sugerem que estes constituintes, particularmente canabinoides e terpenos, desempenham um papel substancial na interação e colaboração. Esta interação dá origem a diversos efeitos, benefícios e efeitos colaterais observados entre diferentes strains de cannabis, que podem variar nas proporções desses componentes”, escreveram os pesquisadores.

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O estudo afirma que é crucial reconhecer as nuances das interações entre canabinoides, terpenos e flavonoides para que seja desvendado “todo o potencial terapêutico da cannabis”.

Nesse sentido, os autores apontam para algumas direções que a pesquisa deve seguir, como, por exemplo, uma caracterização fitoquímica abrangente das variedades de maconha que inclua as proporções distintas de seus compostos. “Tais esforços podem abrir caminho para o desenvolvimento de intervenções medicinais mais personalizadas e produtivas”, observam.

Eles ressaltam a necessidade de uma pesquisa contínua que se aprofunde nos complicados papéis dos diferentes constituintes da cannabis, para desbloquear todo o potencial da maconha no domínio da “medicina natural à base de plantas” e otimizar os resultados terapêuticos.

Segundo os pesquisadores, as evidências mostram cada vez mais que os diversos efeitos terapêuticos exercidos pelo THC e pelo CBD “não são atribuídos apenas às suas ações, mas são modulados por outros compostos na planta”.

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Os terpenos, por exemplo, demonstraram ter “propriedades farmacológicas e podem interagir com receptores de neurotransmissores, enzimas e membranas celulares, entre outros alvos”. “Além disso, os terpenos podem influenciar a farmacocinética e a farmacodinâmica dos canabinoides, potencialmente aumentando ou modulando os seus efeitos”, afirma o estudo.

A revisão também aponta o potencial terapêutico dos flavonoides, outra classe de compostos encontrados na cannabis, visto que “estudos sugeriram suas propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e neuroprotetoras”. Além disso, alguns flavonoides, como as canflavinas, “demonstraram potentes efeitos anti-inflamatórios, particularmente na neuroinflamação”.

“Reconhecer o valor dos compostos não fitocanabinoides, como os terpenos e os flavonoides, no desenvolvimento terapêutico exige um foco de investigação mais amplo. Explorar a biossíntese, bioatividades e aplicações biotecnológicas desses compostos é fundamental para aproveitar seu potencial terapêutico e diversificar as opções de tratamento”, observaram os autores.

Eles destacam ainda a importância de se compreender os mecanismos de produção e acumulação fitoquímica da maconha, “particularmente sob condições de iluminação variáveis”, para o avanço das aplicações medicinais.

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Para que a pesquisa sobre a cannabis possa avançar, no entanto, algumas barreiras regulamentares ainda precisam ser superadas. Os pesquisadores reconhecem que a proibição da maconha obstrui a investigação científica e que a superação desse obstáculo permitiria uma exploração mais abrangente dos efeitos terapêuticos e adversos da planta.

“Uma exploração abrangente das sinergias entre canabinoides, terpenos e flavonoides, juntamente com os avanços na pesquisa fitoquímica e a remoção de barreiras regulamentares, é a chave para desbloquear todo o potencial terapêutico da cannabis. Abordar estas lacunas é crucial para o avanço da área e a promoção de modalidades de tratamento personalizadas e baseadas em evidências”, conclui o estudo.

As descobertas são consistentes com um estudo separado, divulgado no ano passado, que demonstrou como os terpenos influenciam os efeitos psicoativos em comparação com o THC isolado. Utilizando exames de eletroencefalograma e uma tecnologia que converte dados EEG em níveis de psicoatividade, os pesquisadores descobriram que produtos de maconha de espectro completo (full spectrum) produziram um início mais rápido e mais que o dobro da experiência psicoativa do que destilados de THC.

Em termos de fitoquímica, outro estudo no ano passado identificou compostos da cannabis anteriormente desconhecidos, os aromatizantes, que contribuem para os aromas únicos das strains. As descobertas levaram a uma nova compreensão sobre as qualidades aromáticas das cepas de maconha, contrariando a crença de que os terpenos são os responsáveis pelos perfis aromáticos distintos de cada variedade.

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Foto em destaque: Juan David Cano | Pexels.

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