Governadora do Oregon (EUA) sanciona lei que recriminaliza o porte de drogas para uso pessoal

Foto da governadora do Oregon, Tina Kotek. Imagem: Michael Romanos / OCC.

Legislação anula parcialmente a medida aprovada pelos eleitores em 2020 que descriminalizou a posse de pequenas quantidades de qualquer substância

A governadora do Oregon, a democrata Tina Kotek, sancionou nesta segunda-feira (1º) uma legislação que recriminaliza o porte de pequenas quantidades de drogas ilícitas. O retrocesso acontece após três anos desde que o estado se tornou o primeiro dos Estados Unidos a descriminalizar a posse de todas as substâncias para uso pessoal.

O projeto de lei HB 4002, aprovado com maioria esmagadora em ambas as câmaras legislativas, anula parcialmente a política de descriminalização aprovada pelos eleitores do Oregon: a Medida 110, que entrou em vigor em fevereiro de 2021 e tornou o porte de pequenas quantidades de substâncias ilícitas uma infração civil, não sendo mais punível com pena de prisão e sim com multa (evitável mediante a entrada em programa de reabilitação).

A nova lei estabelece que as pessoas flagradas portando pequenas quantidades de drogas ilegais poderão pegar até seis meses de prisão, com a alternativa de se inscrever em programas de recuperação e tratamento para uso abusivo de substâncias. A pena de contravenção começa em 1º de setembro, com analistas estaduais prevendo que a opção de dispensa condicional não seja oferecida para a maioria dos infratores da legislação.

Segundo a Oregon Public Broadcasting, a Comissão de Justiça Criminal do estado informou que em 2019 apenas 18% dos casos de porte de drogas tiveram a oportunidade de evitar a condenação através de uma dispensa condicional, que é quando a pessoa cumpre os requisitos do tribunal, como a conclusão de um tratamento antidrogas. O colegiado estima que sob a nova legislação cerca de um quarto das pessoas acusadas por posse de substâncias recebam esse benefício.

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Embora seja uma estimativa baseada em práticas do passado, a análise da comissão oferece a melhor imagem que os decisores políticos têm sobre como a decisão de retroceder a política de drogas e criar uma nova acusação de contravenção poderia afetar o sistema de justiça criminal do estado. Os analistas estimam que mais de 530 pessoas por ano poderão receber pena de prisão pela única acusação criminal de portar uma pequena quantidade de uma droga ilícita, como heroína, metanfetamina ou cocaína.

Kotek promoveu a lei retrógrada se apoiando na justificativa de combater a crise de overdose no estado. Em janeiro, a democrata declarou estado de emergência com fentanil na cidade Portland.

Junto ao prefeito de Portland, Ted Wheele, e à presidente do condado de Multnomah, Jessica Vega Pederson, Kotek tomou medidas para reduzir a burocracia e investir recursos adicionais em Portland. O objetivo é expandir o acesso ao tratamento da dependência e aos serviços sociais, reduzir as overdoses fatais e reprimir as atividades ilegais.

“Vale a pena investir nos indivíduos que lutam contra o vício do fentanil, lutar por eles e fornecer um caminho claro para a recuperação”, disse Kotek durante uma entrevista coletiva na final de janeiro. “Estou trabalhando lado a lado com meus colegas líderes, o prefeito e a presidente, para garantir que nossos esforços estejam focados ao máximo na abordagem desta crise.”

As mortes por opioides triplicaram no Oregon entre 2019 e 2022, com muitas das mortes atribuídas ao aumento do consumo de fentanil, um potente opioide sintético.

No entanto, um estudo demonstrou que a descriminalização do usuário de substâncias implementada no início de 2021 no estado não está associada à taxa de overdose fatal de drogas após um ano — embora os autores tenham destacado a necessidade de mais pesquisas para examinar as consequências a médio e longo prazo das mudanças legais.

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Os legisladores que patrocinaram o HB 4002 enfatizam que a legislação prioriza o tratamento médico em detrimento das consequências criminais. “Não quero criminalizar o vício”, disse à OPB a líder da maioria no Senado do Oregon, Kate Lieber, antes da sessão legislativa que aprovou a lei.

Em uma carta aos líderes legislativos, Kotek disse que se reuniu com líderes de todo o estado — incluindo procuradores, defensores públicos, prestadores de serviços de saúde mental, tribunais e autoridades policiais — que estarão envolvidos na criação de novos programas para tentar orientar os consumidores de drogas para a recuperação.

A nova lei destinará US$ 211 milhões a uma variedade de programas judiciais e de tratamento, incluindo novas instalações residenciais de tratamento, casas de recuperação e programas para que os condados estabeleçam os chamados programas de desvio nos quais as pessoas possam participar para evitar a prisão e acusações criminais após uma interação com a polícia, segundo o Oregon Capital Chronicle.

No entanto, advogados e defensores da descriminalização alertaram que a nova legislação tem complicações potenciais que podem prejudicar as pessoas com dependência em drogas em vez de ajudá-las. Por exemplo, o estado já tem falta de defensores públicos e de opções de tratamento, e a própria análise do estado concluiu que a lei poderia colocar desproporcionalmente pessoas de cor na prisão.

“Ao priorizar medidas punitivas em detrimento do acesso equitativo ao tratamento, o HB 4002 perpetua a injustiça sistêmica”, disse Gloria Ochoa-Sandoval, diretora de políticas da organização sem fins lucrativos de defesa política Unite Oregon, em um comunicado. “Ele se junta a uma lista lamentável de projetos de lei que priorizam os interesses políticos em detrimento do bem-estar das populações mais vulneráveis do Oregon.”

A nova lei ainda pode fazer com que usuários de drogas acabem inadvertidamente na prisão de outras formas, como no caso de não comparecerem ao tribunal ou forem acusados de não comparecimento, o que acarreta até um ano de prisão.

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Imagem de capa: Michael Romanos / OCC.

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