Comissão de Direitos Humanos da OABSP critica leis que tentam proibir Marcha da Maconha

Foto: Marcha da Maconha São José dos Campos.

Leis elaboradas pelos prefeitos dos municípios de Sorocaba e de São José dos Campos desrespeitam a Constituição e decisões do STF

Além da proibição da maconha, que no Brasil foi implementada de forma escancaradamente racista, o movimento proibicionista também vinha tendo êxito, até o início da década passada, na criminalização dos direitos fundamentais de liberdade.

Os atos pela legalização da maconha eram violentamente reprimidos pelos agentes de segurança pública em todo o país sob a alegação de que os eventos faziam apologia ao uso de drogas. Esse ciclo de barbárie, que ocorria desde as primeiras manifestações, foi interrompido em 2011, quando o Supremo Tribunal Federal confirmou a legalidade das Marchas da Maconha.

No julgamento da ADPF 187, o STF determinou que nenhuma autoridade judicial, policial ou administrativa pode interpretar que a Marcha da Maconha está cometendo o crime de apologia, pois o ato está garantido pelos direitos fundamentais de liberdade de pensamento, expressão e reunião previstos pela Constituição.

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Alguns prefeitos, no entanto, desesperados pela criminalização dos cidadãos que exercem seus direitos constitucionais de liberdade, estão elaborando e promulgando leis municipais que proíbem a realização da Marcha da Maconha.

Em fevereiro, o prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga (Republicanos), sancionou uma lei, de sua autoria, que censura a Marcha da Maconha e proíbe sua realização no município. A Câmara Municipal de São José dos Campos, por sua vez, também aprovou recentemente uma legislação semelhante, apresentada pelo prefeito Anderson Farias (PSD).

Diante desse total desrespeito dos prefeitos paulistas à Constituição, a Comissão de Direitos Humanos da OABSP emitiu uma nota de crítica às leis municipais que tentam cercear as manifestações legítimas da população pela legalização da maconha.

Priscila Beltrame, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OABSP, e Cristiano Maronna, coordenador do Núcleo de Álcool, Outras Drogas e Saúde Mental da Comissão de Direitos Humanos da OABSP, que assinam a nota, citam argumentos do que porquê as leis promulgadas em Sorocaba e São José dos Campos ferem decisões já proferidas pelo STF.

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“A Suprema Corte encerrou a controvérsia existente a respeito da Marcha da Maconha e que inclusive ensejou a sua proibição por anos seguidos em razão de decisões judiciais proferidas por juízes e tribunais estaduais”, diz a nota.

Quando o artigo 33, § 2º, da Lei de Drogas foi utilizado como fundamento para a proibição de eventos públicos em defesa da legalização ou da descriminalização de drogas, o entendimento da Corte foi de que “a Marcha da Maconha representa regular exercício das liberdades constitucionais de manifestação do pensamento e expressão, em sentido lato, além do direito de acesso à informação”.

A nota cita ainda outras decisões como do julgamento da ADI 4274, em que o STF interpreta esse parágrafo conforme a Constituição, com efeito vinculante, “para dele excluir qualquer significado que enseje a proibição de manifestações ou debates públicos acerca da descriminalização ou legalização do uso de drogas”.

Leia a íntegra da nota, a seguir:

A Lei Municipal nº 12.719, de 14 de fevereiro de 2023, do Município de Sorocaba, dispõe sobre a proibição da realização de marchas, inclusive Marcha da Maconha, eventos, reuniões, ou práticas análogas, que façam apologia à posse para consumo e uso pessoal, relativas a substâncias ilícitas e ilegítimas entorpecentes e/ou psicotrópicas, que possam causar dependência, bem como dá outras providências.

Em seu artigo 1º, está dito: “Fica proibida, no âmbito do Município de Sorocaba, a realização de marchas, inclusive Marcha da Maconha, eventos, feiras, reuniões, e práticas análogas, que façam apologia à posse para consumo e uso pessoal, relativas a substâncias ilícitas ou ilegítimas, psicotrópicas e/ou entorpecentes, que possam causar dependência de qualquer natureza”.

A Câmara Municipal de São José dos Campos aprovou, na sessão realizada em 29 de setembro de 2023, o Projeto de Lei nº 363/2023, de autoria do Poder Executivo, que “estabelece a proibição do uso de espaços públicos e vias públicas para a realização de atos de incentivo ao uso indevido de drogas, nos termos da Lei Federal nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 e Constituição Federal”.

De acordo com o artigo 2º do referido Projeto de Lei 363/2023, “entende-se por atos de incentivo ao uso indevido de drogas a realização de marchas, inclusive Marcha da Maconha, eventos, feiras, reuniões, e práticas análogas, que façam apologia à posse para consumo e uso pessoal relativas a substâncias ilícitas ou ilegítimas psicotrópicas e/ou entorpecentes, que possam causar dependência de qualquer natureza”.

O artigo 33, § 2º, da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas) incrimina as condutas de quem induz, instiga ou auxilia alguém ao uso indevido de droga e comina a pena de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

No julgamento da ADI 4274, o Supremo Tribunal Federal deu ao § 2º da Lei de Drogas interpretação conforme a Constituição, com efeito vinculante, para dele excluir qualquer significado que enseje a proibição de manifestações ou debates públicos acerca da descriminalização ou legalização do uso de drogas.

Na ADPF 187, o STF deu, com efeito vinculante, interpretação conforme a Constituição ao artigo 287 do Código Penal, que criminaliza a apologia ao crime e ao precitado artigo 33, § 2º, de Lei de Drogas, de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos.

A Suprema Corte encerrou a controvérsia existente a respeito da Marcha da Maconha e que inclusive ensejou a sua proibição por anos seguidos em razão de decisões judiciais proferidas por juízes e tribunais estaduais.

Desde 2011, o STF decidiu que a utilização do artigo 33, § 2º, da Lei de Drogas como fundamento para a proibição de eventos públicos de defesa da legalização ou da descriminalização do uso de entorpecentes ofende o direito fundamental de reunião, entre outras garantias.

A Marcha da Maconha representa regular exercício das liberdades constitucionais de manifestação do pensamento e expressão, em sentido lato, além do direito de acesso à informação. O direito fundamental de reunião não pode ser restringido, exceto nas hipóteses previstas na Constituição (estado de sítio e estado de defesa). A mera proposta de descriminalização ou legalização de determinado ilícito penal não se confunde com o ato de incitação à prática do delito nem com o de apologia de fato criminoso.

No voto apresentado na ADPF 187, o relator, Ministro Celso de Mello, esclarece que o “debate sobre abolição penal de determinadas condutas puníveis pode ser realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ainda que a ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada estranha, extravagante, inaceitável ou perigosa”.

Essas são as razões pelas quais a OAB SP entende, com todo o respeito, que tanto a Lei Municipal nº 12.719, de 14 de fevereiro de 2023, de Sorocaba, quanto o Projeto de Lei 363/2023, de autoria do Poder Executivo, aprovado pela Câmara Municipal de São José dos Campos, desobedecem o comando emergente da decisão proferida pelo STF nas referidas ADI 4274 e ADPF 187, o qual, como dito, possui efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual e municipal.

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#PraTodosVerem: fotografia de capa mostra centenas de manifestantes no Calçadão de São José dos Campos, durante a Marcha da Maconha realizada em 2016, levando à frente uma grande faixa branca com o logo do movimento e a frase “fogo na bomba e paz na quebrada” em verde. Imagem: MM SJC.

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