Prefeitura do Rio fará internação involuntária de usuários de drogas

Fotografia, em preto e branco, que mostra a mão de uma pessoa negra segurando um cigarro de maconha aceso entre o polegar e o dedo médio, com a brasa voltada para a câmera, e, ao fundo, desfocado, a sua face em meio perfil. Imagem: Aamir Mohd Khan | ShotStash.

Prefeito ignora nota técnica que aponta para inconstitucionalidade da medida

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), publicou na quinta-feira (21) um decreto que estabelece o programa de assistência à população em situação de rua. A iniciativa prevê medidas de acolhimento e saúde que incluem a internação involuntária.

De acordo com o decreto, a internação involuntária ocorrerá a critério médico e deverá ser informada ao Ministério Público e outros órgãos de fiscalização. A medida higienista está inserida no programa “Seguir em Frente”, que tem o objetivo de remover as pessoas das ruas — denominado pelo prefeito carioca como “saída qualificada da situação de rua”.

O programa prevê a criação de unidades de acolhimento, como a RUA Sonho Meu (Residência e Unidade de Acolhimento), o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPSad) Dona Ivone Lara e o Ponto de Apoio na Rua (PAR Carioca), inauguradas na última semana.

A previsão é que o programa atenda inicialmente 130 dependentes químicos em situação de rua, segundo informou O Globo. Em coletiva de imprensa, o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, afirmou que 50 destas pessoas já foram internadas e já são atendidas no CAPSad Dona Ivone.

Segundo o censo realizado em 2022 pela Secretaria Municipal de Assistência Social, o Rio de Janeiro tem 7,8 mil pessoas vivendo em situação de rua.

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“Apenas para as pessoas com risco de vida iminente e imediato, para si ou para terceiros, identificado por profissional de saúde — intoxicação grave, ideação suicida, síndrome consumptiva avançada, atitudes agressivas, independentemente de estar em situação de rua ou não —, o médico, com base em critérios clínicos, poderá decidir pela internação emergencial”, diz a prefeitura.

O decreto determina que seja implantado um prontuário eletrônico único de saúde e assistência social, onde “todo atendimento e socorro prestados devem ser registrados” e disponibilizados para fins de fiscalização.

“O Programa ‘Seguir em Frente’ tem como objetivo a saída qualificada da situação de rua, através da reinserção produtiva para a população em situação de rua, conforme nível de autonomia de cada indivíduo, mediante ações articuladas com o objetivo de desenvolver geração de renda própria, reinserção no mercado de trabalho formal e autonomia ocupacional”, diz um dos artigos do decreto.

A prefeitura do Rio espera que até o final de janeiro 3 mil pessoas estejam inseridas na primeira fase do projeto. “A nossa intenção é valorizar as pessoas que mais precisam do estado brasileiro. São as que mais precisam de cuidado”, afirmou Soranz em um comunicado.

De acordo com secretário, as internações involuntárias serão apenas para casos emergenciais e terão duração máxima de 72 horas.

Segundo a prefeitura, o programa é dividido em cinco fases: criar condições para que as pessoas saiam das ruas para unidades de acolhimento; promover o tratamento de saúde que cada um precise; dar ocupação remunerada em atividades de interesse público ou em instituições parceiras; preparação para o mercado de trabalho; e autonomia para deixar o programa.

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Internação involuntária é inconstitucional

A internação involuntária atenta contra um dos fundamentos primários da Constituição Federal, que é a dignidade da pessoa humana, segundo uma nota técnica emitida em novembro pela Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal. O documento foi enviado ao prefeito do Rio após ele anunciar a política retrógrada em suas redes sociais.

“Ninguém pode ser privado de sua liberdade para, forçadamente, submeter-se a qualquer espécie de tratamento, sem o seu livre consentimento”, destaca a nota, observando que a saúde não é uma obrigação imposta aos cidadãos.

A medida adotada pelo prefeito carioca também viola uma decisão referendada em agosto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que proíbe os poderes executivos municipais e estaduais de fazer a remoção e o transporte compulsório de pessoas.

Política higienista

O plano de higienização foi anunciado por Eduardo Paes em novembro através de suas redes sociais.

“Não é mais admissível que diferentes áreas de nossa cidade fiquem com pessoas nas ruas que não aceitam qualquer tipo de acolhimento e que, mesmo abordadas em diferentes oportunidades pelas equipes da prefeitura e autoridades policiais, acabem cometendo crimes”, escreveu Paes em uma publicação no Instagram.

Além de correlacionar a ocorrência de crimes ao uso de drogas, o prefeito afirmou que “as amarras impostas às autoridades públicas para combater o caos que vemos nas ruas da cidade demanda instrumentos efetivos para se evitar que essa rotina prossiga”.

Em dezembro do ano passado, Paes afirmou que considerava a população de rua “o maior problema” da cidade, e que estava avaliando as questões legais para voltar com a política de internação compulsória para usuários de substâncias.

Os discursos do prefeito deixam claro que o uso de drogas é usado como pretexto para implementar uma política higienista contra as pessoas em situação de rua.

A internação compulsória de usuários de crack foi empregada por Paes em sua primeira gestão, em 2012. A medida, no entanto, foi revogada após críticas de especialistas e uma ação do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ).

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Imagem de capa: Aamir Mohd Khan | ShotStash.

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