“Não existe combate ao tráfico de drogas no Brasil”, diz advogado da Marcha da Maconha

A fala foi proferida pelo advogado André Barros durante a cerimônia de lançamento da edição especial sobre direito canábico da Revista Eletrônica da OABRJ. Guerra às drogas e racismo estrutural estiveram entre os temas abordados pelos participantes

A Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OABRJ), através de sua Comissão do Direito do Setor da Cannabis Medicinal, promoveu nessa terça-feira (26) o lançamento da edição especial da Revista Eletrônica do colegiado. O evento debateu o panorama histórico do uso medicinal da maconha, assim como os desafios para quem precisa da planta em seu tratamento de saúde.

Presente à mesa da cerimônia, o advogado da Marcha da Maconha, André Barros, falou sobre seu artigo publicado na recém-lançada edição especial da revista eletrônica da OABRJ e abordou a falta de racionalidade na aplicação da Lei de Drogas (11.343/2006).

“Não existe combate ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro e no Brasil, o que existe na favela é racismo. Não existe combate ao tráfico de drogas do ponto de vista jurídico e econômico. Primeiro, do ponto de vista jurídico, a Lei de Drogas, como qualquer lei, tem que ter a sua racionalidade — o império da lei, o iluminismo, a razão e todo aquele discurso que veio substituir o império do rei. A lei de drogas tem três crimes: comprar e portar para consumo pessoal, artigo 28, que é crime mas não existe mais a pena de prisão; o artigo 33, que é importar, exportar, remeter, preparar, adquirir, transportar, trazer consigo, vender ou fornecer, ainda que gratuitamente, e tem pena de 5 a 15 anos, é nesse artigo que o sistema penal entra nas favelas matando criança todos os dias, e em um minuto a Justiça condena jovens negros e pobres a 10, 15 anos de cadeia — a sustentação oral não existe — e acaba com a vida da pessoa e da família; e o artigo 36, financiar, que é o crime mais grave, com pena de 8 a 20 anos”, explanou Barros, que também é mestre em Ciências Penais.

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Segundo o advogado, não há racionalidade na aplicação da lei de drogas, uma vez que o sistema penal “combate” exclusivamente o crime de tráfico, sem atuação sobre os delitos previstos no artigo 36.

“Eu já desafiei vários advogados renomados a me mostrar um inquérito policial que seja no artigo 36, digo como crime autônomo e não como agravante do 33, financiar e custear o tráfico de drogas. Não conheço um inquérito policial, nem denúncia, nem sentença no artigo 36, portanto não existe combate ao tráfico de drogas, porque pela racionalidade da lei teriam que combater os três crimes, e o principal é o 36, e nesse você não tem um inquérito policial”, destacou.

Diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OABRJ, Aderson Bussinger reconheceu que o tema da cannabis ainda é tabu, embora entenda que é cada vez mais de vanguarda, seja do ponto de vista jurídico ou medicinal.

“É importante entender o que está em torno desta questão da maconha, que é a guerra às drogas. Ela só serve nesse país para matar pobres, negros, jovens e fazer do tráfico uma burguesia cada vez mais rica. Quando tratarem a droga como questão de saúde pública, o combustível do tráfico vai acabar”, reconheceu.

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Os pacientes brasileiros possuem quatro vias básicas de acesso ao tratamento à base de cannabis: importação dos produtos, compra nas farmácias, associações canábicas ou autocultivo com autorização judicial. No entanto, muitas famílias não possuem condições financeiras para arcar com nenhuma dessas formas de acesso e acabam tendo que acionar o Poder Público na Justiça para receberem a medicação.

Como bem observou a vereadora presidente da Comissão Especial da Cannabis Medicinal da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux, o acesso ao tratamento canábico ainda é um grande desafio para quem precisa.

“Nós temos hoje um desafio que foi acumulado, durante anos, que corresponde às pesquisas e ao fornecimento da cannabis medicinal. É um movimento composto em grande medida por mães, que estão lutando por acesso a um remédio que pode fazer toda a diferença a crianças e adultos”, destacou.

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A presidente da Comissão de Criminologia do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Márcia Dinis, apontou para o fato de que a luta pela descriminalização da maconha no Brasil sempre transcorreu no campo social, uma vez que a primeira lei do mundo a criminalizar a planta, promulgada na cidade do Rio de Janeiro, penalizava os escravos que consumiam a erva com prisão e os vendedores com multa.

“Nossa luta é muito ideológica. Quando estamos defendendo uma questão tão importante quanto a descriminalização da maconha, e livre comercialização, estamos falando também de um tema muito maior, que é o racismo estrutural no país”, denunciou a advogada.

A Comissão do Direito do Setor da Cannabis Medicinal da OABRJ foi instituída em novembro do ano passado e tem como principal proposta fomentar o direito setorial para toda a advocacia, buscando o desenvolvimento do setor econômico relacionado à maconha usada com fins medicinais e científicos.

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Fotografia de capa mostra o advogado André Barros, a presidente da Comissão do Direito da Cannabis Medicinal da OAB Petrópolis Vilma Seljan e a advogada Márcia Dinis, do IAB. Crédito: Flávia Freitas / OABRJ.

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