Fracasso da proibição: estudo identifica substância que causa necrose no organismo de usuários

Fotografia em plano fechado que mostra uma carreira de cocaína sobre uma superfície preta e um canudo feito com uma nota de dinheiro segurado de forma inclinada. Foto: Daniel Foster | Flickr. Tailândia

A proibição das drogas é um dos maiores atentados à saúde pública, além de promover uma verdadeira carnificina de negros e pobres, a política ultrapassada também faz com que as pessoas acabem usando substâncias nocivas

Um estudo conduzido pelo Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) da Unicamp descobriu que a maioria das pessoas que consomem drogas em festas podem não saber o que realmente estão usando. Os dados também revelam que muitos usuários estão ingerindo substâncias perigosas.

O estudo do CIATox descobriu, através da análise da saliva de voluntários em festas e festivais em diferentes estados brasileiros, que mais de 60% das amostras tinham pelo menos uma substância diferente da declarada pelos usuários.

“A gente tem percebido que existe uma discordância entre o que o usuário consome e o que a gente encontra nas amostras biológicas. Isso é um fator de risco, pois se ela for mais potente ele tem o risco de ter uma overdose e efeitos indesejados”, afirmou o pesquisador Rafael Lanaro, responsável técnico pelas análises toxicológicas do CIATox, ao g1.

A análise também revelou que, além de quase 80% das amostras apresentarem duas ou mais drogas psicoativas, o vermífugo de gado levamisol foi encontrado em mais da metade das amostras com cocaína coletadas.

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Um estudo separado, realizado por pesquisadores colombianos, descobriu que o levamisol está relacionado à ocorrência de necrose e púrpura retiforme em diversas partes do corpo. Além disso, descobertas anteriores revelaram que pessoas que usam regularmente cocaína misturada com o vermífugo apresentam danos cerebrais e desempenho cognitivo prejudicado.

Os pesquisadores do CIATox chegaram aos resultados a partir de 462 amostras coletadas entre setembro de 2018 e janeiro de 2020, em festas e festivais de música eletrônica. Os voluntários tinham de 18 a 51 anos e cerca de 55,4% eram homens, 32,3% tinham ensino superior e 88,5% confirmaram o uso de substâncias psicoativas nos três meses anteriores.

Novas substâncias psicoativas

A equipe do CIATox voltou a campo no mês passado, após firmar um convênio com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para mapear as novas substâncias psicoativas (NSPs) em vários estados pelo país.

As NSPs, conforme definição do Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (UNODC), são moléculas desenhadas, em sua maioria, com o objetivo de evadir as medidas de fiscalização aplicadas às drogas já controladas, apresentando efeitos similares aos de outras substâncias como, por exemplo, a cannabis, a cocaína, a heroína, o LSD ou o ecstasy.

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Segundo o g1, através da parceria com a Senad, os pesquisadores pretendem realizar estudos diversos que, além conhecer e entender as substâncias em circulação no país, também apoiarão a criação de novos protocolos de atendimento e tratamento de pacientes em casos de intoxicação. Atualmente, mais de 120 substâncias sintéticas são reconhecidas pela Unicamp.

O investimento do governo federal para a parceria com o CIATox é de aproximadamente R$ 2,15 milhões, com duração de 36 meses. O valor deve ser direcionado para a compra de novos equipamentos e a criação de uma nova base de dados para análises toxicológicas clínicas e forenses.

As novas substâncias psicoativas incluem os canabinoides sintéticos ou “drogas K”, como também são conhecidos, e surgiram justamente por conta da proibição. A política proibicionista, além de ser ineficaz em reduzir o comércio ou uso de qualquer substância, ainda promove o surgimento de drogas mais perigosas.

Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, as drogas K podem causar náuseas, ansiedade, paranoia, inchaço do cérebro, convulsões, alucinações, comportamento agressivo, palpitações cardíacas, dores no peito e, em alguns casos, risco de vida.

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Mesmo sendo um ato de “enxugar gelo”, uma vez que sob a proibição nunca deixarão de surgir novas substâncias para driblar a fiscalização, as pesquisas visadas pela parceria com a Senad são importantes, visto o aumento das apreensões e casos de intoxicação por canabinoides sintéticos no estado de São Paulo.

Dados do 5º Informe do Subsistema de Alerta Rápido sobre Drogas (SAR) mostram que, nos primeiros quatro meses de 2023, o Departamento de Investigações sobre Narcóticos de São Paulo (Denarc) apreendeu 15 quilos de canabinoides sintéticos. No ano passado foram 11,7 quilos, e em 2021 o volume foi de 5,7 quilos.

O relatório também revela que as intoxicações por consumo dessas substâncias estão crescendo. De 2017 a 2022, dois casos envolvendo drogas K foram identificados pelo CIATox. Já em 2023, em apenas cinco meses, o número chegou a 10.

“O informe lança luz sobre uma situação que apareceu de forma mais contundente em São Paulo, mas já sabemos de alguns registros em outros estados. Ter dados tão qualificados sobre o caso paulista nos ajuda a pensar medidas para o país todo”, explicou Marta Machado, titular da Senad, no evento de lançamento do relatório.

A produção de drogas para uso adulto contendo substâncias perigosas em sua composição é mais uma das mazelas de saúde pública promovidas pela política proibicionista, que nunca trouxe benefício para a sociedade em lugar nenhum do mundo onde foi implementada, além do superencarceramento de negros e pobres, oneração demasiada dos cofres públicos com o sistema de justiça e entre outras consequências negativas.

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Foto de capa: Daniel Foster | Flickr.

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