Erik Torquato responde: o que você precisa saber sobre a nota técnica da Anvisa?

Erik-Torquato Responde

Como ficam as autorizações de importação de cannabis in natura já concedidas pela Anvisa? A decisão impacta quem tem autorização para importar extratos e as decisões judiciais de fornecimento pelo SUS ou plano de saúde? Quem tem Habeas Corpus continua podendo fazer uso vaporizado? Confira essas e outras dúvidas sobre a nota técnica 35/2023, da Anvisa, respondidas pelo advogado Erik Torquato

A nota técnica 35/2023 da Anvisa, publicada ontem (19), pôs limite às autorizações para importação de flores e partes da cannabis in natura. Qualquer mudança na regulamentação sobre cannabis sempre cai com uma bomba sobre usuários e pacientes que, num cenário nacional de grande incerteza jurídica, ficam em dúvida se aquela nova decisão se aplica à própria realidade. Diante disso, o advogado Erik Torquato se propôs a responder as principais perguntas sobre o assunto em sua coluna junto à Smoke Buddies, no intuito de semear informações.

Primeiramente, cabe dizer que nada muda na vida de quem faz uso adulto/recreativo: a criminalização continua a mesma e a luta por liberdade precisa ser ainda mais reforçada. Ainda assim, cabem muitas considerações sobre aqueles que fazem uso terapêutico da maconha nas suas diversas vias de administração. Vamos às respostas das principais dúvidas:

E agora, como fica a autorização da Anvisa que já tenho?

A Nota Técnica 35/2023, publicada em 19/07/2023 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ao mesmo tempo que ampliou o leque de produtos que podem ser adquiridos via importação, com base na RDC 660/2022, limitou a autorização para importar flores e partes da cannabis in natura. Quem não contava com autorização para importar flores, já não obterá mais. E quem já tinha o documento terá até o dia 20/09/23 para finalizar o processo de importação. Muitos já me procuraram perguntando “mas minha autorização da Anvisa para importar flores tem data posterior ao dia 20/09/23, como que fica?”. Fica sem validade a partir do dia 20/09/23, ponto. Isto porque é a Anvisa que decide qual a validade da autorização e ela tem o poder de trazer novos limites, assim como fez.

Tenho autorização da Anvisa para importar extrato/óleo, também sou afetado?

As limitações trazidas pela Nota Técnica 35/2023 se referem à importação de flores e partes in natura da cannabis. Os extratos não fazem parte desta categoria de classificação que sofreu limitação. Logo, quem tem autorização para importar extrato ou óleo não foi afetado e não precisa se preocupar. Ou seja: nestes casos nada muda e o prazo da autorização de importação já emitida continua sendo o mesmo. Inclusive, permanece sendo possível obter autorização para importação destas formas de produtos à base de cannabis.

Isso impacta em decisões judiciais de fornecimento pelo SUS ou plano de saúde?

Desconheço decisões judiciais que tenham obrigado, até o momento, que o SUS ou plano de saúde forneça flores ou planta in natura. Geralmente, as decisões judiciais se referem a óleos, extratos, medicamentos. Logo, entendo que esta decisão da Anvisa nada impacta em quem conta com decisões judiciais de fornecimento de produtos destas categorias.

Quem usa óleo de associação pode ser prejudicado?

Não vejo como alguém que usa óleo de associação possa ser prejudicado. Isto porque a decisão da Anvisa, como já repeti acima, é sobre importação de flores e partes in natura da cannabis, e não sobre cultivo associativo nacional ou distribuição a associados. O maior impacto certamente será sobre empresas que estavam vendendo flores, nada tendo a ver com associações que fornecem óleo/extrato.

Isso dificulta a busca de Habeas Corpus para autocultivo?

Entendo que não há impacto negativo sobre os Habeas Corpus para autocultivo. Isto porque os HCs se justificam pela proibição de cultivar, e não pela forma de uso do remédio. Na verdade, entendo que se torna ainda mais necessário o Habeas Corpus, pois, diante de um cenário jurídico tão volátil, contar com uma decisão judicial poderá ser muito útil para continuidade de tratamento já em curso. Evidentemente, isto se aplica apenas para aqueles que escolhem o cultivo caseiro como forma de manutenção do tratamento de saúde e obtenção do próprio remédio.

Quem tem Habeas Corpus vai continuar podendo fazer uso vaporizado?

Esta é uma pergunta interessante e que demanda uma interpretação da Lei de Drogas e sua relação com o cultivo para fins de tratamento da própria saúde. Desde já minha resposta é sim, quem tem HC poderá continuar fazendo uso vaporizado. No artigo 28 da Lei 11.343/06, que criminaliza o usuário, são muitos os verbos elencados como criminosos, porém não existe o verbo “usar”. O Habeas Corpus serve justamente para livrar o cultivador da responsabilização criminal prevista neste artigo. Portanto, afastada a incidência do art. 28 sobre os usuários com finalidade medicinal, entendo que não importa a forma de utilização do remédio. A forma de uso só diz respeito ao paciente e ao médico responsável pelo tratamento. Sei que há quem pleiteia na justiça especificamente por liberação para “vaporização”, mas entendo que tal detalhamento é desnecessário (e quiçá prejudicial) visto que o tratamento pode mudar ao longo do tempo e o que deve prevalecer é o direito à liberdade de cuidar da própria saúde, da forma como bem entender.

Espero ter contribuído para semear informações. Continuo à disposição pelas minhas redes para consultas e demais dúvidas. Forte abraço a todos, seguimos na luta por liberdade para todos!

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Sobre Erik Torquato

Advogado criminalista e ativista pelo fim da guerra às drogas. Membro da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas - Rede Reforma. Conselheiro do Núcleo de Álcool, Drogas e Saúde Mental da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. Co-fundador da RENCA. Militante da Marcha da Maconha. (11) 97412-0420. E-mail eriktorquato.adv@gmail.com Tel: 21-97234-1865 / e-mail eriktorquato.adv@gmail.com
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