Comissão de Segurança da Câmara aprova projeto que prevê prisão de usuários de drogas

Fotografia de porção de buds de maconha secos entre duas algemas, uma aberta e outra fechada, sobre uma superfície branca e lisa. Foto: Tom Sydow.

Para deputado que votou contra a medida, até mesmo pacientes que necessitam da cannabis in natura em seu tratamento podem ser prejudicados sob a abordagem punitivista do projeto de lei

Indo na contramão do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucionalidade do artigo da Lei de Drogas que criminaliza o usuário, a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que pretende estabelecer pena de prisão aos usuários de substâncias ilícitas.

Um dia antes de o processo no STF receber o quarto voto favorável à descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, os deputados do colegiado votaram pela aprovação da proposta, que prevê detenção de dois a quatro anos para quem “adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para uso pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”.

Com votos contrários apenas da deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) e dos deputados Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), Ismael Alexandrino (PSD-GO) e Eriberto Medeiros (PSB-PE), e parecer favorável do relator, deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), o projeto foi aprovado após 14 anos desde que foi apresentado.

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De autoria do deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE), o texto foi aprovado na forma de um substitutivo para incluir outros projetos apensados e, além da prisão, inclui o pagamento de multa no valor de cinco a sete salários-mínimos. Em caso de reincidência, o projeto também estabelece o aumento de um sexto da pena.

Assim como na atual redação da Lei de Drogas (lei nº 11.343/2006), a proposta criminaliza também quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substâncias ilícitas.

Durante a discussão da matéria, a deputada Duda Salabert defendeu que o consumo de drogas não deve ser debatido sob a perspectiva da segurança pública, mas sim da saúde pública. “Há um ponto que é importante dizer, que a gente faça um projeto para discutir, que nós sabemos que tem muitos trabalhadores da segurança pública, devido à pressão que sofrem no dia a dia e inúmeros problemas, como escapismo, alguns deles usam drogas. Então nós deveríamos buscar projetos para ajudar essa pessoa, e não entupir os presídios, como usualmente é feito e que ajuda exclusivamente organizações criminosas e também setores ligados ao interesse de privatizar os presídios”, disse a parlamentar.

“Nós vamos pegar jovens, que usaram um cigarro de maconha, e colocar em contato direto com o PCC, com o Comando Vermelho, e aí vai gerar um problema muito maior, porque nós sabemos que os presídios, muitas das vezes, funcionam como universidade do crime”, ponderou a deputada.

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De acordo com a atual legislação, o porte de drogas para uso pessoal é crime, porém  com punições de advertência, prestação de serviços à comunidade ou obrigação de comparecimento em programas educativos.

Segundo o deputado Pastor Henrique, em seu voto em separado, a abordagem do projeto de lei é equivocada e não leva em consideração a complexidade das questões que levam ao uso, “e possível abuso”, de substâncias. “Ao invés de buscar soluções efetivas para os desafios relacionados ao consumo de substâncias ilícitas, essas propostas adotam uma perspectiva punitivista que nunca se mostrou eficaz para o enfrentamento ao uso abusivo de drogas e, na prática, pode gerar efeitos negativos ainda mais graves”, afirmou.

“Para demonstrar a diversidade de problemas e a complexidade do tema e para trazer mais um argumento contrário à penalização dos usuários de drogas, é importante considerar as atuais dificuldades de acesso a medicamentos feitos com base na maconha, sem tocar nas questões do custo de tais medicamentos. Essas são razões que levam algumas pessoas a optar pelo cultivo da planta: por questões de saúde. A proibição do plantio e até do uso de certas apresentações da maconha, para fins medicinais, pode privar pacientes de tratamentos eficazes e comprometer sua qualidade de vida, o que torna a penalização desses usuários uma medida desproporcional e prejudicial”, argumentou o deputado.

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Antes de encerrar a discussão da matéria, o presidente da Comissão, Ubiratan Sanderson (PL-RS), criticou o fato de a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal estar sendo tratada pelo Supremo Tribunal Federal, defendendo que o assunto seja discutido pelo Congresso Nacional.

O projeto de lei agora segue para a Comissão de Constituição e Justiça.

Na última quarta-feira (2), o ministro do STF Alexandre de Moraes votou pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, sugerindo a quantidade de 60 gramas como presunção relativa para diferenciar usuários de traficantes.

Em seu voto, Moraes ressaltou que a lei 11.343, de 2006, que despenalizou o uso pessoal, enquanto endureceu as penas para o tráfico de drogas, obteve resultados diversos do que foi pretendido. Segundo ele, de acordo com dados do Departamento Penitenciário, entre 2007 e 2013, a proporção de presos por tráfico aumentou de 15,5% para 25,5%, além do aumento de 80% da população prisional do país no mesmo período. Isso revela um aumento exponencial do encarceramento por conta da prisão de pequenos traficantes que, até então, eram enquadrados como usuários e acabavam cumprindo penas alternativas.

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Imagem em destaque: Tom Sydow.

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