Austrália: legalizar a maconha pode economizar 1,7 bilhão de dólares por ano para os cofres públicos
O atual modelo de proibição demonstra ser ineficaz, pois falha em controlar a oferta, deixa o mercado nas mãos do crime organizado e custa uma fortuna para os contribuintes, diz novo relatório
Enquanto o crime organizado desfruta de enormes lucros com o comércio de maconha, o uso da substância aumenta e milhões de cidadãos cumpridores da lei são criminalizados, especialmente alguns dos mais marginalizados e vulneráveis.
Isso é o que aponta o Penington Institute, uma entidade sem fins lucrativos que promove pesquisa em saúde pública e política de drogas, em seu novo relatório sobre as tendências, atitudes e abordagens relacionadas à cannabis na Austrália.
Com mais de 700 mil prisões relacionadas à maconha na Austrália desde 2010, sendo que mais de 90% das acusações foram por posse para uso pessoal, o documento revela que em 2016 foram gastos 1,7 bilhão de dólares australianos (R$ 6 bilhões) na aplicação da lei relacionada à cannabis.
“Em comparação com outras drogas comuns, a cannabis tem um perfil de baixo dano com impactos negativos à saúde menores do que aqueles associados à nicotina e ao álcool. No contexto do uso medicinal, o potencial para efeitos colaterais graves, como dependência, é insignificante quando considerado ao lado dos analgésicos e pílulas para dormir que são rotineiramente prescritos em toda a Austrália”, disse John Ryan, CEO do Penington Institute, no prefácio do relatório.
Ele ainda destaca que, apesar da possibilidade de consequências negativas advindas do uso de cannabis, como o risco de dependência para algumas pessoas, “os danos demonstrados e os enormes encargos financeiros associados à abordagem simplista de proibição da Austrália são muito mais prejudiciais do que a própria substância”.
O atual modelo de proibição demonstra ser ineficaz e ineficiente, visto que falha em controlar a oferta, deixa o mercado nas mãos de criminosos e custa bilhões de dólares em fiscalização, disse o relatório, ao mesmo tempo em que expõe as pessoas aos danos da criminalização.
“A proibição também impediu a pesquisa sobre os benefícios potenciais da cannabis e distorceu a pesquisa sobre as consequências negativas de seu uso”, adverte o relatório, pedindo que o país priorize “uma conversa aberta e racional sobre a regulamentação, impacto e usos da cannabis em suas diversas formas”.
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Enquanto o governo australiano desperdiça os dólares dos contribuintes em um modelo de proibição, os pacientes necessitados muitas vezes não conseguem pagar pelo acesso à maconha para fins medicinais, disse Ryan.
“A qualidade da cannabis cultivada na Austrália é padrão mundial, mas nossos agricultores são forçados a aguardar enquanto os produtores na América do Norte e em outros lugares aproveitam os mercados que poderiam ser deles, incluindo nosso mercado doméstico”, disse ele.
“Regulamentações onerosas e falta de investimento do governo estão impedindo a indústria australiana de aproveitar esta oportunidade significativa”, alertou.
A última pesquisa domiciliar sobre a estratégia nacional de drogas, realizada pelo Instituto Australiano de Saúde e Bem-Estar durante o ano de 2019, descobriu que pela primeira vez mais pessoas disseram que apoiavam a legalização da maconha do que se opunham — 41% contra 37%. Também foi a primeira vez que a proporção de australianos que apoiavam o uso regular de cannabis por adultos era maior do que a proporção que apoiava o tabagismo regular (19,6% contra 15,4%).
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Dito isso, um estudo da Iniciativa Lambert da Universidade de Sydney divulgado em julho mostrou que a maioria dos australianos entrevistados na última pesquisa Cannabis as Medicine Survey está adquirindo maconha para uso medicinal do mercado ilícito.
O estudo incluiu 1.600 pessoas que usavam cannabis medicinal entre setembro de 2020 e janeiro de 2021, e constatou que 37% dos entrevistados receberam uma prescrição legal para maconha — um aumento significativo em relação aos 2,5% dos entrevistados que relataram uso de cannabis prescrita na pesquisa de 2018.
Os pesquisadores identificaram vários benefícios no uso prescrito em relação o uso ilícito de maconha, incluindo “vias de administração mais seguras, maior certeza de acesso, composição conhecida de THC/CBD e melhor comunicação com os profissionais de saúde”.
“Esses benefícios sugerem que mais esforços são necessários para fazer a transição de pacientes de produtos ilícitos para produtos de cannabis regulamentados e de qualidade controlada”, escreveram os autores.
No mês passado, a Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (Abicann) emitiu uma carta pública ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva pedindo para considerar a regulamentação da maconha para uso adulto, medicinal e industrial em suas políticas públicas.
Em um documento de 19 páginas, a entidade explica como a regulação da cannabis pode proporcionar uma “revolução verde e social”, estimulando a economia e, ainda, “ampliando o apoio aos excluídos das pautas governamentais”.
A associação denuncia que o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking de países que mais prendem e punem com prisão, principalmente jovens negros, sendo que “um a cada três dos 910 mil presidiários estão encarcerados por porte de drogas”.
O documento também afirma que o aproveitamento econômico do cânhamo para uso agroindustrial pode estimular mais de R$ 155 bilhões por ano na economia nacional, e ainda contribuir para o cumprimento das metas de redução de emissão de gás carbono do Conferência de Paris, a recuperação de terras degradadas por atividades predatórias e a redução do desemprego.
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#PraTodosVerem: fotografia mostra um top bud repleto de pistilos suculentos de cor clara e envolto por vários folíolos serrilhados, sob uma iluminação amarelada. Crédito: Egien | Wikimedia Commons.
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