Justiça de São Paulo concede HC definitivo a mãe que cultiva maconha para filha autista
Pedido da Defensoria Pública foi embasado por relatório que demonstrou a imprescindibilidade do tratamento para a manutenção da saúde da criança
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concedeu à mãe de uma criança diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA) um salvo-conduto definitivo para o cultivo de cannabis e extração do óleo para uso medicinal. Segundo a Defensoria Pública de SP, que atuou no caso, a decisão é inédita na Justiça paulista, que até então concedia os habeas corpus pelo prazo de um ano.
A conquista veio no quinto pedido de renovação do salvo-conduto, atendendo o pleito do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH) da Defensoria Pública, e põe fim à angústia da Angela Aboin, que não precisará mais passar por toda a burocracia e incerteza quanto à continuidade do tratamento da filha, Maria Luiza, a cada doze meses.
“Todos os anos você ter que se apresentar à justiça e viver nessa insegurança de poder perder um direito não era confortável. Exigia uma certa tensão de, pelo menos uma vez no ano, apresentar essa documentação e sempre com receio do desconhecido. Era um novo julgamento e em cada julgamento pode sair uma sentença diferente”, declarou Angela ao g1.
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Um relatório produzido pelo Centro de Atendimento Multidisciplinar (CAM) da Defensoria Pública em Campinas aponta a evolução da criança a partir do tratamento com óleo de cannabis — iniciado em 2017 mediante prescrição médica — e demonstra como o medicamento é essencial para a manutenção da integridade psicofísica da paciente.
De acordo com o documento, antes do uso da cannabis, a criança apresentava atraso na fala, alterações de humor e do sono, alterações na identificação de sentimentos e sensações e momentos de crises graves, que chegavam a ocorrer três vezes em um único dia e envolviam comportamentos agressivos contra pessoas ao redor e contra si mesma. Atualmente, as crises são raras, duram menos e não escalam para um comportamento agressivo.
O relatório menciona ainda a insegurança gerada à mãe em razão da necessidade de renovação do habeas corpus. “O medo da genitora decorre da incerteza quanto à continuidade do cultivo e os riscos de uma eventual interrupção da administração do óleo e seus efeitos negativos no desenvolvimento de sua filha nessa etapa importante de desenvolvimento e puberdade”, argumentam no pedido as coordenadoras do NCDH, Fernanda Balera, Cecilia Ferreira e Surrailly Youssef.
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“Essa decisão é um precedente bem importante, pois não conseguíamos o salvo-conduto definitivo na Justiça Estadual. Acompanhamos outro caso em que a assistida optou recentemente em ir para a Justiça Federal, onde há mais chances da decisão definitiva”, comentou a defensora Cecilia Ferreira em nota da DPESP.
Apesar do alívio com a nova decisão do TJSP, Angela ainda vive desconfortável por ter um registro criminal e, ao mesmo tempo, um habeas corpus para cultivo de maconha. Ela já foi denunciada e respondeu pelo crime de tráfico de drogas por buscar o melhor tratamento para a filha.
“Numa delegacia, quando uma pessoa vê uma mulher que respondeu por tráfico de drogas e ainda tem tantos habeas corpus é algo que gera um certo espanto para os profissionais. São artigos criminais que não dizem respeito ao que eu fiz pela minha filha”, afirmou em entrevista ao g1. “Esse habeas corpus vem em definitivo, mas não muda isso. Ele não altera esse passado de criminalização, pelo contrário, a gente vai continuar marcado pelo sistema de Justiça para o resto das nossas vidas.”
Isso, no entanto, não desmotivou Angela a continuar a luta pelo acesso à cannabis: ela atua para que mais famílias tenham seu direito à saúde garantido e compõe a coordenação geral da Federação das Associações de Cannabis Terapêutica (FACT).
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Imagem de capa: Vecteezy | Chot Studio.
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