São Paulo tem gasto recorde com cannabis medicinal para atender ações judiciais
Os produtos à base maconha disponíveis nas farmácias são vendidos a preços que fogem da realidade da maior parte da população
O estado de São Paulo atingiu um novo recorde em compras de produtos à base de cannabis para atender a decisões judiciais em 2023. Entre janeiro e outubro, o governo paulista gastou R$ 25,6 milhões com a judicialização do tratamento canábico.
De acordo com um levantamento realizado pela Folha de S.Paulo, 843 ações judiciais foram movidas contra o estado de SP pedindo o custeio de remédios derivados da maconha nos dez primeiros meses deste ano.
O valor corresponde a quase um terço do total que já foi gasto pelo estado com cannabis medicinal desde 2015, quando a Anvisa passou a autorizar a importação de medicamentos à base de maconha: R$ 85 milhões em produtos derivados da planta.
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A demanda judicial e o seu impacto financeiro nos cofres do estado foi um dos argumentos apresentados pelo deputado Caio França (PSB) em sua justificativa para o projeto de lei que inclui os medicamentos de cannabis no SUS de São Paulo. O texto foi sancionado em janeiro.
Segundo a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), a nova lei minimiza os impactos financeiros da judicialização e “garante a segurança dos pacientes, considerando protocolos terapêuticos eficazes e aprovados pelas autoridades de Saúde”.
O número de decisões judiciais obrigando o estado de São Paulo a fornecer produtos de cannabis cresceu 1.750% nos quatro primeiros anos desde que a importação foi aprovada pela Anvisa, passando de oito em 2015 para 148 no primeiro semestre de 2019. A escalada também foi observada nos gastos, que passaram de R$ 15,2 mil para R$ 4,6 milhões, no mesmo período.
Em 2020, 200 pacientes obtiverem o direito ao tratamento via judiciário. Já em 2022, a Secretaria de Saúde de São Paulo foi alvo de 576 ações judiciais e teve um gasto de R$ 24,1 milhões com a aquisição de medicamentos derivados da maconha.
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Os produtos de cannabis disponíveis nas farmácias são vendidos a preços que fogem da realidade da maior parte da população. A outra via de acesso à maconha medicinal é a importação pelo próprio paciente, mediante prescrição médica e autorização da Anvisa, que também é inacessível para a maioria dos brasileiros.
Diante disso, os pacientes que necessitam da cannabis em seu tratamento muitas vezes são obrigados a acionar o poder público para que seja garantido o seu direito à saúde.
“Muitas vezes a ordem judicial já vem direcionada para uma marca, ou impõe quantidade e por quanto tempo o estado tem que fornecer. Não existe margem para negociação, e isso com certeza eleva os valores, já que não tem como você fazer uma cotação e disputa de preços, como ocorre numa licitação”, explicou o advogado Leonardo Navarro, membro da Comissão de Direito da Cannabis Medicinal da OAB, à Folha.
De acordo com a Kaya Mind, empresa especializada em dados e inteligência de mercado no segmento, o número de pacientes de cannabis no Brasil saltou de 188 mil no ano passado para 430 mil neste ano — um aumento de 130%. Segundo a empresa, o número de profissionais da saúde que prescrevem cannabis também vem crescendo nos últimos anos e já ultrapassa 12 mil.
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O levantamento da Folha também revela um aumento na judicialização em nível federal. Em 2021, o Ministério da Saúde gastou R$ 160.690 com a compra de medicamentos à base de maconha. No ano seguinte, a despesa saltou para R$ 1.671.701. Já no primeiro trimestre de 2023, o governo desembolsou R$ 768.000.
Hoje, os pacientes brasileiros que necessitam da cannabis em seu tratamento de saúde possuem basicamente quatro vias para acessar a medicação: importação dos produtos, compra nas farmácias, associações canábicas ou autocultivo com autorização da justiça.
Vários estados brasileiros já sancionaram legislações que garantem a distribuição de medicamentos derivados da maconha através do SUS.
Os estados do Acre, Rondônia, Roraima, Tocantins, Alagoas, Piauí, Goiás, Mato Grosso, São Paulo, Paraná e Espírito Santo, e até o DF, já possuem leis de fornecimento gratuito de medicamentos à base de cannabis.
No entanto, a promulgação de uma lei de cannabis não significa que automaticamente a população terá acesso ao tratamento, visto que até o momento nenhum estado colocou em prática sua legislação. A distribuição de medicamentos à base da planta por meio do SUS só é realidade no Distrito Federal, onde o programa de assistência às pessoas com epilepsia prevê o fornecimento de canabidiol na rede pública.
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Foto em destaque: Tinnakorn Jorruang / Vecteezy.
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