Exposição adolescente à maconha não está associada à psicose na idade adulta, diz estudo

Fotografia, em close, de uma pessoa jovem, usando boné verde acinzentado e roupa xadrez azul, que inala a fumaça de um pequeno bong transparente. Foto: Grav | Unsplash.

A psicose no início da idade adulta não está ligada ao uso de cannabis durante a adolescência, de acordo com uma pesquisa recente que analisou dados longitudinais de controle cogêmeo

Uma série de reportagens sensacionalistas da mídia comercial que destorcem os resultados de estudos sobre cannabis e psicose — sugerindo que a planta é a causa da doença, quando na verdade os pesquisadores ainda sabem ao certo se é a maconha que desencadeia a condição ou se os portadores da síndrome neurológica procuram a substância para autotratar seus sintomas — há tempos vem criando uma cortina de fumaça no debate sobre a cannabis e sua relação com a saúde mental.

A psicose pode ser definida como um estado mental onde o indivíduo perde a conexão com a “realidade”, manifestando-se através de alucinações ou delírios. A psicose induzida pela cannabis, se existir, seria uma desconexão da realidade que ocorre durante o uso de cannabis, ou logo depois.

“A psicose induzida pela cannabis surgiu como um efeito colateral raro, mas sério, a ser considerado”, diz um artigo da Healthline revisado por Jeffrey Chen, médico e fundador da Iniciativa de Pesquisa de Cannabis da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Contudo, ele acrescenta que “enquanto há uma ligação forte entre o uso de cannabis e a esquizofrenia, os especialistas ainda precisam descobrir a natureza exata desse vínculo”.

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Logo, a pesquisa médica ainda não sabe dizer se a cannabis causa psicose ou exacerba os sintomas subjacentes — a única coisa que se sabe é que há no máximo uma correlação, que não implica em causalidade.

Entretanto, mesmo com essa lacuna no que diz respeito à causalidade, muitas manchetes sensacionalistas e personagens proibicionistas insistem em afirmar, por conta e risco, que a cannabis causa transtornos psicóticos.

Um artigo publicado pela epidemiologista britânica Suzanne Gage, na revista The Lancet, demonstra que esquizofrênicos crônicos e pessoas que sofrem surtos de psicose têm mais chances de serem usuárias crônicas e pesadas de cannabis de alta potência. Contudo, o estudo revelou que pessoas sujeitas a ter surtos psicóticos ou desenvolver esquizofrenia buscam a cannabis mais do que a média da população, sem encontrar indícios de que a planta cause esquizofrenia.

Agora, mais um estudo refuta a teoria “reefer madness” de que maconha causa psicose.

De acordo com uma análise longitudinal de controle cogêmeo publicada no Journal of Abnormal Psychology, a exposição à cannabis durante a adolescência não está associada à psicose de início na idade adulta ou a sinais de esquizofrenia.

Pesquisadores da Associação Americana de Psicologia analisaram dados de duas coortes de gêmeos que completaram medidas repetidas e prospectivas de uso de cannabis e sintomas de transtorno por uso de cannabis na adolescência e uma medida dimensional de propensão à psicose na idade adulta. Os gêmeos também forneceram dados genéticos moleculares, que foram usados para estimar o risco poligênico de esquizofrenia.

A análise dos dados não encontrou evidências de um efeito da cannabis no psicoticismo ou em qualquer uma de suas facetas em modelos de controle de cogêmeos que compararam o gêmeo que usa mais maconha com o gêmeo que usa menos. Também não observou evidências de um efeito diferencial da cannabis no psicoticismo pelo risco poligênico de esquizofrenia.

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“Estudos epidemiológicos mostraram repetidamente que indivíduos que usam cannabis são mais propensos a desenvolver transtornos psicóticos do que indivíduos que não o fazem. Tem sido sugerido que essas associações representam um efeito causal do uso de cannabis na psicose, e que o risco de psicose pode ser particularmente elevado quando o uso ocorre na adolescência ou no contexto de vulnerabilidade genética. Este estudo, no entanto, não suporta essas hipóteses, sugerindo, em vez disso, que as associações observadas são mais prováveis devido à confusão por fatores comuns de vulnerabilidade”, relataram os autores no artigo.

Os pesquisadores concluíram que “embora o uso e o transtorno por uso de cannabis estejam consistentemente associados ao aumento do risco de psicose, os presentes resultados sugerem que essa associação é provavelmente atribuível a confundimentos familiares, e não a um efeito causal da exposição à cannabis”.

Dito isso, os autores do estudo advertem que “esforços para reduzir a prevalência e a carga de doenças psicóticas podem se beneficiar de um maior foco em outros alvos terapêuticos”.

O resultado da análise não nos surpreende, uma vez que a cannabis pode até mesmo ser uma opção de tratamento eficaz para a esquizofrenia.

Um estudo conduzido pelos cientistas Jegason P. Diviant e Jacob M. Vigil, do Departamento de Psicologia da Universidade do Novo México (EUA), e Sarah S. Stith, do Departamento de Economia da universidade, revisou dados anteriores sobre o impacto de fatores ambientais, particularmente o efeito da atividade autoimune, na expressão de perfis esquizofrênicos, bem como explorou o papel da terapia com cannabis na regulação da função imunológica.

Os resultados do estudo revelaram que a cannabis pode oferecer um tratamento eficaz para a esquizofrenia, isoladamente ou em conjunto com outros medicamentos.

“Uma revisão da literatura mostra que o consumo de fitocanabinoides pode ser uma opção de tratamento seguro e eficaz para a esquizofrenia como terapia primária ou adjuvante”, escreveram os autores do estudo.

“Pesquisas emergentes sugerem que a cannabis pode ser usada como um tratamento para a esquizofrenia dentro de uma perspectiva etiológica mais ampla que enfoca as causas ambientais, autoimunes e neuroinflamatórias do distúrbio, oferecendo um novo começo e novas esperanças para aqueles que sofrem desta doença debilitante e mal compreendida”, segundo o relatório.

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#PraTodosVerem: fotografia, em close, de uma pessoa jovem, usando boné verde acinzentado e roupa xadrez azul, que inala a fumaça de um pequeno bong transparente. Foto: Grav | Unsplash.

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