Espanha: o limbo de pacientes que precisam de cannabis em meio ao surto de Covid-19

Foto, em plano fechado, de uma inflorescência de cannabis ainda em cultivo, que apresenta pistilos de cor verde-claro e algumas folhas rajadas de marrom, com um fundo desfocado de vegetação Fotografia: Skalle-Per Hedenhös | Wikimedia Commons.

Na Espanha, quase 200.000 pacientes estão sem acesso à cannabis legal depois que o governo declarou quarentena. As informações são do ElPlural.com e a tradução pela Smoke Buddies

Desprotegido. Assim é como se sentem as centenas de milhares de pacientes que precisam de canabinoides para mitigar o sofrimento que lhes causa a sua patologia, geralmente complexa, muitas vezes crônica e que, nos dias de hoje, não podem acessar seus dispensários habituais.

Durante o estado de alarme, a restrição de movimento e o fechamento de negócios não essenciais, como supermercados ou farmácias, nos obrigam a nos confinarmos em nossas casas. Ficamos em casa pelo bem comum, pela solidariedade e prevenção. É o que devemos fazer. Contudo, a pressa com que as medidas foram adotadas pelo governo, a falta de regulamentação e também, por que não dizer, a falta de sensibilidade de alguns clubes ou associações de fumantes em relação a seus clientes doentes causou a paralisação de todo um setor.

Todos os pacientes que se abasteciam de cannabis através dos clubes agora não têm medicação. Estamos falando de pacientes com câncer, esclerose múltipla, ELA; muitos pacientes que sofrem de dor neuropática, enxaqueca, fibromialgia, endometriose etc. Patologias que causam muita dor, que às vezes nem mesmo os opiáceos podem aliviar e que precisam de canabinoides para isso. No momento, somos confrontados com muitos telefonemas de pessoas desesperadas”, explica Carola Pérez, presidente do Observatório Espanhol de Cannabis Medicinal, ao ElPlural.com.

Uso medicinal de cannabis

Na Espanha, o uso de cannabis medicinal tem aumentado nos últimos anos, especialmente para atenuação de náuseas e vômitos, aumento do apetite e tratamento da espasticidade em doenças neurodegenerativas. Nesses casos, os pacientes têm um atestado médico, que é de pouca utilidade, na verdade. Atualmente, existem cerca de 200.000 pacientes no chamado “mercado não regulamentado” que precisam de canabinoides para suportar o dia a dia e que são escassos nessas circunstâncias excepcionais. É um limbo legal. Uma situação que, no entanto, não ocorre em outros países. “No Canadá, Israel, Alemanha, Itália ou Trinidad e Tobago, por exemplo, esses tratamentos são oferecidos na farmácia. Na Espanha, como o debate foi tão adiado, não avançamos. Atualmente, nos Estados Unidos , foi decretado que os dispensários são de uso público e que não serão fechados. Enquanto estiver em nosso país, o paciente sofre uma incrível incerteza legal. Deve-se levar em consideração que usamos cannabis quando todos os medicamentos falharam e, portanto, assumimos riscos legais e de saúde, porque também precisamos levar em consideração a falta de controle de qualidade no que é dispensado; não há controles sanitários”, diz Pérez.

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De fato, em nosso país, a Agência Espanhola de Medicamentos e Produtos de Saúde (AEMPS) é responsável por autorizar o cultivo desta planta. Atualmente, apenas dez empresas têm permissão para fazê-lo. O restante das associações e clubes — exceto os dispensários terapêuticos — mantêm seus próprios cultivos nos arredores das cidades e, portanto, são expostos a grandes multas a cada traslado. Uma situação que piorou hoje em dia, como Eduardo Martínez, nome fictício, consumidor regular e membro de um desses clubes de Madri, explica ao jornal: “O problema é que as associações estão fechadas e tampouco há lojas de rua e quem tem a vende a preço de ouro”.

Enquanto a primeira linha de venda e consumo é afetada pelas medidas adotadas após o decreto do estado de alarme, a segunda, a das distribuidoras, também foi severamente atingida por restrições de movimento. “Os clubes estão deixando de faturar milhares de euros por dia”, diz esse membro, que também explica como alguns dos proprietários são obrigados a abrir clandestinamente em algumas cidades, pelo menos uma hora por dia, para sobreviver.

Uma realidade comparável à transmitida pelo presidente do Observatório: “Algumas associações estão fazendo serviço doméstico, mas imaginem o risco que isso implica. É uma irresponsabilidade deixar o paciente nessa situação agora e os clubes deveriam ter algum tipo de permissividade para que essas pessoas atendam às suas necessidades”.

Enquanto isso, do ponto de vista médico e científico, ainda está sendo exigida uma regulamentação que nunca chega e que está sendo adiada desde 2017, data em que o Observatório apresentou ante o Congresso dos Deputados uma iniciativa legislativa para a regulamentação do cultivo da planta destinada ao uso medicinal e terapêutico. Uma proposta que derrubaria a atual, um regulamento pré-constitucional, a lei de 1967, assinada pelo ditador Francisco Franco, mas que foi suspensa no limbo da burocracia.

Os direitos do paciente estão sendo violados?

Nesta situação excepcional, o próprio Observatório declara que “os Direitos Humanos do Paciente estão sendo violados, uma vez que a carta dos direitos humanos do paciente especifica que todos têm direito ao melhor tratamento possível. Se o melhor tratamento para você ou para mim consiste em uma mistura de diferentes medicamentos e canabinoides, é isso. (…) Somente, pedimos ao governo para não deixar que as pessoas sofram mais. Precisamos de um regulamento porque, até agora, os clubes estão realizando um trabalho que não é o trabalho deles, eles se destinam ao uso recreativo ou adulto”, solicita o presidente do Observatório.

Deve-se lembrar que o último levantamento realizado pelo CIS (Centro de Investigaciones Sociológicas) revelou que 84% da população espanhola é a favor da regulamentação do mercado. Existem muitas patologias que são tratadas através desta planta medicinal. A pergunta que surge no momento é: é uma situação justa para os doentes? Carola Pérez faz a pergunta de outra maneira: “Como você diz a uma mãe que precisa de cannabis para aliviar a dor que sua filha com esclerose múltipla sofre que não pode adquiri-la?”.

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#PraCegoVer: a imagem de capa traz a foto, em plano fechado, de uma inflorescência de cannabis ainda em cultivo, que apresenta pistilos de cor verde-claro e algumas folhas rajadas de marrom, com um fundo desfocado de vegetação. Fotografia: Skalle-Per Hedenhös | Wikimedia Commons.

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