Mara Gabrilli: a porta-voz da cannabis medicinal no Senado

Fotografia em primeiro plano da Senadora Mara Gabrilli, vestida com uma roupa de estampa abstrata em preto e verde, com os braços sobre os apoios da cadeira de rodas de rodas; ao fundo, uma cama com coberta colorida, encostada numa parede que tem afixado um quadro redondo com bordas em tons de vermelho que faz degradê com o amarelo que envolve, ao centro, o que parece ser uma estrela branca brilhante de quatro pontas; a posição do quadro em relação à Senadora, faz parecer que feixes de luz saem de sua cabeça.

Na sessão da Comissão de Direitos Humanos do Senado que aprovou a SUG 6, do cultivo e comercialização de cannabis medicinal, a Senadora Mara Gabrilli* expôs detalhes de sua vida e os benefícios da planta para sua saúde. As informações são da Folha

A senadora mais votada do Brasil na última eleição, a paulistana Mara Gabrilli (PSDB-SP), 52, tornou-se conhecida por defender causas invisíveis para a maioria das pessoas, como o direito à acessibilidade e ao tratamento para doenças raras. Recentemente, abraçou outra luta, a mais polêmica: a regulamentação da maconha medicinal.

No último dia 26, durante a sessão da Comissão de Direitos Humanos do Senado para a votação da sugestão nº 6,  de plantio e comercialização do cânhamo (Cannabis com concentração elevada de canabidiol, o CBD, e quase zero de THC, substância que causa efeitos psicoativos), Gabrilli expôs detalhes de sua vida e dos benefícios da planta para a sua saúde quando a derrota da matéria parecia certa.

“Sabe por que fiquei de licença?”, perguntou ao senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que se posicionava contra o uso de THC em medicamentos. “Todo período que eu fiquei sem THC, que me tratei só com CBD, eu desenvolvi uma epilepsia refratária, senador. Foi o que aconteceu comigo porque eu fiquei sem o THC. Eu era uma pessoa deitada, que respirava em uma máquina. E estou aqui para defender o direito de outras pessoas”, disse Gabrilli, cadeirante há 25 anos.

A senadora também citou os sucessivos espasmos incontroláveis —contrações involuntárias, que a jogavam para fora da cadeira de rodas— que sofreu nos últimos meses e as dores musculares que a impediam de sair de casa.

“Eu estava desesperada. Não podia deixar o Senado dar o sinal para a sociedade de que é contra medicamentos à base de Cannabis”, disse à Folha.

As crises foram sintomas do que ela chama de epilepsia visceral, desenvolvida depois que ela mudou de medicamento neste ano. Em vez de usar remédios dos EUA que combinavam CBD e THC, recebeu autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e passou a importar o óleo de CBD puro.

O CBD não foi bom para mim. Desenvolvi o quadro convulsivo que descrevi. Depois recebi prescrição médica para usar o Sativex, medicamento com THC e CBD, registrado no Brasil com o nome Mevatyl. É preciso compreender que cada caso é um caso”, afirma. Sem a mistura das duas substâncias, Gabrilli teve convulsões fortíssimas.

“Não posso usar os remédios convencionais para dor porque me tiram do ar, fico sonolenta e sem vontade de fazer qualquer coisa”, afirma. “Tudo que uma pessoa paralisada não precisa é mais paralisia na vida.”

O depoimento de Gabrilli no Senado virou o jogo e a proposta virou projeto de lei. Depois da votação, muitos senadores foram procurá-la para comentar sobre seu relato tão pessoal, incluindo Girão.

Uma semana antes, Girão entrara com outro projeto de lei que inclui o CBD entre os medicamentos obrigatoriamente distribuídos pelos SUS. A proposta tinha como finalidade enfraquecer a defendida por Gabrilli, de plantio e comercialização do cânhamo (com CBD e THC).

Girão diz acreditar que o Brasil não está pronto para o cultivo da Cannabis. “Falta estrutura fiscal. Não podemos colocar a saúde dos brasileiros em risco. Só existem testes clínicos com o CBD.”

Gabrilli defende que o THC não seja demonizado e diz que é preciso ter mais de uma via de administração dos remédios à base de Cannabis. “O projeto de lei do Girão prevê apenas a via oral, mas o óleo inalado tem uma ação mais rápida. Ele é mais intenso, mas fica menos tempo no corpo”, diz. “Quando percebo que vou ter uma crise, uso o spray para interrompê-la.”

A senadora também chama a atenção para o custo da terapia ao defender a regulamentação. “Eu posso comprar esses medicamentos no exterior porque sou senadora. Tenho um salário que me permite isso”. A importação do CBD sai por volta de R$ 2.000, e a compra do Mevatyl no Brasil custa R$ 3.000 mensais.

O [ministro da Cidadania] Osmar Terra precisa entender que não estamos debatendo o uso recreativo, mas um medicamento. O Congresso e o governo não podem fechar os olhos para uma questão de saúde pública”, diz Gabrilli, referindo-se aos ataques do ministro à Cannabis medicinal. Ele já afirmou que a regulamentação dos medicamentos podem abrir caminho para a legalização de drogas no país, mas admitiu que o canabidiol pode ter efeito medicinal “em casos raros de epilepsia”.

Com o tratamento e os treinos, a lesão medular total de Gabrilli evoluiu para parcial. Em 2016, ela recuperou parte dos movimentos dos braços e passou a dirigir a própria cadeira. “Ser contra a Cannabis medicinal é condenar milhares de pacientes a uma vida de sofrimento. Sem ela, seria uma tetraplégica acamada”.

*Mara Gabrilli é publicitária, psicóloga, foi secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura e vereadora da capital paulista, Deputada Federal pelo PSDB de São Paulo e, em 2018, foi eleita com 6.513.282 votos para representar São Paulo no Senado Federal. A Senadora também é fundadora da ONG Instituto Mara Gabrilli que fomenta pesquisas científicas para cura de paralisias, no apoio a atletas do esporte paralímpico e na orientação para desenvolvimento social de pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade social.

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