Mulher procurou a Defensoria do Ceará para obter o direito de produzir o medicamento em casa, uma vez que outras vias de acesso ao tratamento possuem custos elevados
Uma paciente portadora de autismo, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e ansiedade generalizada obteve na Justiça o direito de cultivar maconha e extrair o óleo da planta para uso em seu tratamento de saúde. Essa conquista foi possível graças à atuação da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE).
A mulher procurou a defensoria por que tinha prescrição para uso da cannabis e precisava fazer uso regular da substância, sendo que não tinha condições de acessar o tratamento por outras vias, como a importação, devido aos altos custos. Ela necessitava, portanto, obter autorização judicial para plantar e extrair o óleo em casa. Contudo, se o fizesse por conta própria, mesmo com a recente decisão do STF que descriminalizou o porte para consumo, poderia ser presa por tráfico.
“O STF fixou a quantidade máxima de 40 gramas de maconha para a caracterização do consumo. Ou seja: passando disso, será considerado, a priori, tráfico. Em casos como o da assistida, ela necessita de algo em torno de 80 a 100 gramas por mês para a extração da quantidade de óleo prescrita. Logo, mesmo com a descriminalização feita pelo STF, o salvo-conduto obtido através da atuação da defensoria continuava sendo necessário para que ela não venha a responder penalmente pelo cultivo e exploração terapêutica da cannabis”, esclarece o defensor público Alfredo Homsi, em um comunicado.
Além disso, a tese fixada pela Suprema Corte permite que uma pessoa seja presa por tráfico de drogas mesmo portando quantidade de cannabis abaixo do limite considerado como uso pessoal, uma vez que o testemunho policial ainda será válido como prova para a imputação do crime. A polícia pode enquadrar o indivíduo como traficante se for encontrada, por exemplo, uma balança de precisão no local do flagrante.
Leia também: Estudos apontam potencial da cannabis no tratamento da neuroinflamação em pacientes com pós-COVID
Segundo a DPCE, para ingressar com a ação, a paciente apresentou relatório médico e receituário que comprovam o diagnóstico e a necessidade do uso da cannabis, já que a medicação convencional não surtia o efeito desejado e, com o óleo derivado da maconha, obteve significativa evolução, amenizando crises convulsivas, ansiedade, insônia, restrição alimentar e entre outros sintomas.
Com toda a documentação reunida, a DPCE acionou o Poder Judiciário por meio de um habeas corpus de caráter preventivo, onde ficou estabelecido que o cultivo seria realizado para atender às necessidades médicas da paciente e aconteceria mediante fiscalização.
“É preciso que o Estado do Ceará regulamente o cultivo e o processamento da cannabis para fins medicinais, nos casos autorizados pela Anvisa, a exemplo do que já ocorre em Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba”, afirmou Homsi. “Até que isso ocorra, a via judicial tem sido o caminho mais viável para que pacientes de baixa renda tenham acesso a esse medicamento, que tem se mostrado eficaz para tratar e amenizar sintomas de diversas patologias”.
Para a paciente, a autorização representa a segurança de fazer o tratamento que precisa sem a ameaça de ser acusada de cometer algum crime. “O óleo da cannabis mudou minha vida de um jeito inexplicável, como de diversas outras pessoas no Brasil e afora. Muitos casos começam de forma clandestina. Devido ao alto valor e à dificuldade de acesso, os pacientes começam de forma ilegal, mas observam que muitos dos sintomas têm uma melhora significativa”, comentou.
Em um caso separado, um paciente portador de diversas enfermidades, incluindo dor crônica e distúrbios do sono, obteve autorização da Justiça Federal para importar sementes de maconha e cultivar mais de cem plantas por ano. A decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença proferida pela 5ª Vara da Seção Judiciária de Goiás.
O relator, desembargador federal César Jatahy, destacou no processo que o autor apresentou “elementos suficientes a justificar a excepcionalidade para a importação e cultivo de sementes de cannabis sativa, a exemplo das autorizações de importação concedidas pela Anvisa, relatórios médicos, receituário de controle especial, curso prático de plantio e extração do óleo e laudo técnico expedido por agrônomo atestando a necessidade da quantidade de plantas”.
Leia mais: Justiça autoriza paciente com ansiedade e dor crônica a cultivar 118 plantas de maconha por ano
Fotografia em destaque: Plants for Persephone | Unsplash.