MACONHA EM CASA

Fotografia em plano fechado que mostra um cultivo de planta de cannabis, com pistilos de cor creme concentrados onde será desenvolvida a inflorescência. Foto: Luiz Michelini. doutora

A polícia não pode entrar em um domicílio para realizar flagrante delito de cultivo de maconha, vedado pela lei 11.343/2006, e se o fizer estará praticando o crime de invasão de domicílio. Entenda mais sobre o assunto no artigo do Dr. André Barros*

Já defendi vários plantadores de maconha presos como traficantes em casa, por denúncia anônima, que faziam o autocultivo de pequena quantidade para uso próprio. Sou constantemente consultado por usuários que fumam em seu apartamento e são ameaçados por vizinhos.

Ambas as situações estão previstas no artigo 28 da Lei 11.343/2006 e, mesmo sendo crime, a tais condutas não cabe a pena privativa de liberdade. Sendo aplicada pena de multa, por exemplo, a mesma não pode sequer ser convertida em pena de prisão, mesmo se não houver o pagamento. Diz ainda o artigo 48 da mesma lei, em seus parágrafos 2º e 3º, que, para as condutas previstas no artigo 28, não se imporá prisão em flagrante e é vedada a detenção.

Portanto, não cabe prisão em flagrante para quem fuma maconha e planta pequena quantidade para uso próprio. O autor do fato deve ser encaminhado imediatamente a um juiz ou delegado, lavrando-se um termo circunstanciado, onde assumirá o compromisso de comparecer em juízo e será liberado.

Sendo assim, as autoridades não podem entrar no domicílio de alguém para prendê-lo em flagrante, porque “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Como na conduta do artigo 28 da Lei 11.343/2006 “não se imporá prisão em flagrante”, conforme estabelece o artigo 48, parágrafo 2º, da mesma lei, a exceção da violação do domicílio do “em caso de flagrante delito”, prevista no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, não cabe em caso de consumo e em autocultivo para preparar pequena quantidade de substância para uso próprio.

Cabe destacar ainda que o delito do flagrante para invadir um domicílio nestas condutas é totalmente desproporcional a circunstâncias similares a desastres ou que necessitem de socorro. No caso de a polícia entrar no domicílio, sem o consentimento do morador, para realizar um flagrante delito, vedado pela lei 11.343/2006, a mesma estará praticando o crime de invasão de domicílio, previsto artigo 22 da Lei 13.869/2019, e coagindo alguém em sua liberdade de locomoção com abuso de poder.

Devo consignar que já realizei essa interpretação em defesas judiciais, mas não existe súmula, nem jurisprudência, esclarecendo que não é permitida a entrada em casa ou apartamento de consumidores ou cultivadores de pequena quantidade de maconha para uso próprio.

Trata-se de mais uma luta contra toda essa lei de drogas, que considero inteiramente inconstitucional. Isso me faz lembrar aqui o clássico “A Luta pelo Direito” de Ihering: devemos ter consciência dos nossos direitos para lutar por eles!

*André Barros é criminalista,  mestre em ciências penais, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e advogado da Marcha da Maconha.

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia em plano fechado que mostra um cultivo de planta de cannabis, com pistilos de cor clara concentrados onde será desenvolvida a flor. Foto: Luiz Michelini.

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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