De 1970 a 2000: a influência da maconha na musicalidade brasileira

Arte que mistura a maconha com referências e elementos estéticos do samba e funk.

A Bem Bolado traçou a linha do tempo da década de 1970 aos anos 2000, da MPB ao funk proibidão, para falar sobre a maconha na musicalidade brasileira. Vamos nessa?

Ao longo das décadas, desde a efervescência da MPB e a psicodelia brasileira dos anos 1970 até o funk proibidão dos anos 2000, a maconha está presente na musicalidade brasileira permeando a cultura, estimulando mentes criativas e transformando-se em um tema recorrente em canções que desafiam tabus. 

Longe de ser apenas um “cigarrinho de artista”, o bem bolado foi a inspiração para alguns dos maiores sucessos da música brasileira, influenciando gerações de artistas e diversificando a narrativa musical do país. Neste contexto, vamos explorar a narrativa antiproibicionista na musicalidade brasileira ao longo dos anos e entender como essa militância ocorre no cenário musical atual. 

1970: MPB e psicodelia brasileira

Nos anos 1970, a música brasileira passava por uma fase de efervescência criativa, impulsionada por movimentos sociais e culturais. Nesse contexto, artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque e Rita Lee incorporaram a maconha como uma musa inspiradora. Letras repletas de poesia tornaram-se o resultado desse encontro entre a erva e a criatividade artística.

Bezerra da Silva, figura marcante no samba, também abraçou a temática, tornando-se uma voz singular ao abordar as complexidades sociais relacionadas ao consumo de maconha em suas composições:

É, você não está vendoQue a boca tá assim de corujãoTem dedo de seta adoidadoTodos eles afimDe entregar os irmãosMalandragem dá um tempoDeixa essa pá de sujeira ir emboraÉ por isso que eu vou apertarMas não vou acender agora

Malandragem Dá Um Tempo – Bezerra da Silva

Anos 1980: A rebeldia do sexo, drogas e rock’n’roll

Nos tumultuados anos 1980, o Brasil vivenciou um movimento de rebeldia e revolta contra o sistema e a ditadura militar, marcado pelo lema “sexo, drogas e rock’n’roll”. Bandas emblemáticas como Barão Vermelho, liderada por Cazuza, e Legião Urbana, capitaneada por Renato Russo, refletiam a atmosfera de contestação e desejo por liberdade que permeava a juventude.

A maconha, na maioria das vezes mencionada de maneira simbólica, tornou-se uma espécie de trilha sonora para as experiências psicodélicas e reflexões contestadoras desse período.

Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiroTransformam um país inteiro num puteiroPois assim se ganha mais dinheiro

O Tempo Não Para – Cazuza

Anos 1990: a resistência do RAP e do rock nacional 

Na virada para os anos 1990, o rock nacional encontrou na maconha não apenas uma fonte de inspiração, mas uma bandeira. Planet Hemp, liderado por Marcelo D2, tornou-se um fenômeno ao abordar questões sociais e políticas relacionadas à legalização da maconha. 

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Racionais MC’s, Sabotage, RZO e muitos outros também influenciaram uma geração com seus RAPs que escancaram feridas de uma sociedade cheia de preconceitos e ainda amargurada pela ditadura militar. Sendo assim, é claro que a “erva proibida” não poderia deixar de marcar presença nas letras. 

Bandas como Raimundos e Nação Zumbi também flertaram com a temática, incorporando-a em suas letras e ampliando o diálogo sobre o consumo da planta. 

“O álcool mata bancado pelo código penal

Onde quem fuma maconha é que é o marginal

E por que não legalizar? E por que não legalizar?

Estão ganhando dinheiro e vendo o povo se matar

Tendo que viver escondido no submundo

Tratado como pilantra, safado, vagabundo

Por fumar uma erva fumada em todo mundo”

Planet Hemp – Legalize Já (Pseudo Vídeo)

Anos 2000: Do proibidão aos grandes nomes do trap-funk ostentação

Os anos 2000 foram marcados pela ampliação do debate sobre a maconha, fato que está diretamente relacionado aos movimentos de legalização ao redor do mundo e à normalização do consumo da planta.

No início do século, o funk proibidão saiu de dentro das favelas do Rio de Janeiro para ganhar notoriedade em todo o Brasil, ainda que predominantemente em bailes e fluxos de quebrada. Letras que exploram narrativas sobre a vivência dentro do crime organizado estão no centro das composições de artistas como Mc Primo, Mc Felipe Boladão, Mc Smith, Mc Orelha e entre outros.

Mais adiante, o proibidão deu espaço a um novo subgênero: o funk ostentação. Esse, ainda em grande evidência nos dias atuais, tem como narrativa principal as histórias de superação e a ascensão financeira e material dos MC’s, que conseguiram transformar suas vidas através do funk. Artigos de luxo, como roupas de grife, carros caríssimos, mansões milionárias e, também, drogas à vontade, são os principais símbolos do subgênero.

Assim como no RAP, o funk ostentação normaliza o uso da maconha em suas letras e, diferentemente do funk proibidão, não estabelece uma conexão direta com o crime organizado. Artistas como Matuê, Mc Hariel, Mc IG, Orochi, Filipe Ret, Poze do Rodo, entre outros, abordam os aspectos recreativos da planta em suas letras. Em 2023, o Mc Ryan SP, que também fala sobre a erva em suas músicas, foi o artista mais ouvido do Brasil no Spotify.

“Conta quem se arrisca, só quem se arrisca conta

Sete louca crazy de haxixe que com os 4M soma

Favelado, rico, louco, em Fernando de Noronha

Às vezes, viro surfista sabotado de maconha”

ESQUADRILHA DA FUMAÇA – MC IG, MC Ryan SP, MC PH e MC Menor da VG (Web Clipe) DJ Boy

Reviravolta: A planta ganha espaço na cultura de massas

O século XXI viu a maconha transcender fronteiras musicais, estendendo-se à cultura de massa com artistas como Anitta, Ludmilla e Glória Groove. Embora sob uma abordagem mais comercial, essas artistas continuam a explorar a temática de forma assertiva, incorporando-a em suas narrativas e desafiando estigmas.

A sociedade brasileira assistiu a viralização de hits como “Onda Diferente”, “Verdinha” e  “Deu Onda” — hit do carnaval em 2017 —, fato que contribui para o entendimento de que o uso de maconha não está restrito a determinados grupos sociais, ajudando a quebrar o tabu sobre o uso da planta e construir uma imagem mais abrangente e menos preconceituosa sobre a “erva (agora não tão mais) proibida”. 

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“Um dia eu vou poder falar toda a verdade

A máscara que vai cair diante da sociedade

Bang, bang, não me perturba

Vou tacar fogo em mais um só pra não ficar maluca

Eu fiz um pé lá no meu quintal

Tô vendendo a grama da verdinha a um real”

LUDMILLA – Verdinha (Official Music Video)

 

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