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Uso de maconha auxilia na redução do consumo de opioides e no controle dos sintomas de abstinência, segundo estudo

A cannabis proporciona alívio rápido da abstinência, reduzindo a frequência do uso da substância, de acordo com uma pesquisa financiada pelo Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos EUA

A maconha auxilia na redução do consumo de opioides e no controle dos sintomas de abstinência em pessoas com transtorno por uso da substância, segundo um novo estudo publicado no Drug and Alcohol Dependence Reports. Os achados também revelam que a cannabis ajudou os participantes a manterem a cessação da droga e aderirem ao tratamento.

Os Estados Unidos viram as taxas de morte por overdose de opioides aumentarem drasticamente nos últimos anos. No entanto, estados americanos que legalizaram a maconha tiveram uma menor incidência de mortalidade relacionada às overdoses, como já foi demonstrado em uma série de estudos. A redução do uso de opioides por meio da substituição pela cannabis também foi relatada, inclusive no Canadá, onde a planta é legal para fins medicinais e uso adulto.

Esse panorama motivou uma equipe de pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia e da Universidade Estadual do Colorado a investigar a relação entre o consumo de maconha e a injeção de opioides. A equipe entrevistou 30 pessoas em dois locais comunitários em Los Angeles (Califórnia), um afiliado a um programa de serviço de seringas e outro próximo a uma clínica de metadona (medicamento usado para tratar a dependência em opioides).

As entrevistas foram realizadas de julho de 2021 a abril de 2022 com o objetivo de verificar se as mudanças na frequência do uso de cannabis estavam associadas a mudanças na frequência do consumo de opioides e os resultados de saúde relacionados a opiáceos em pessoas que injetam drogas em um estado com venda legal de maconha para uso medicinal e adulto.

Os pesquisadores construíram três temas: “os participantes descreveram o uso de cannabis 1) para permanecer em ‘manutenção’ após a cessação dos opioides, 2) para controlar os sintomas de abstinência de opioides e 3) para diminuir o uso de opioides devido à baixa barreira de acessibilidade à cannabis”.

“Os participantes relataram que a cannabis auxiliou no desenvolvimento de padrões de uso reduzido de opioides ao diminuir a frequência da administração de opioides e fornecer um período de proteção para iniciar a medicação”, escreveram os autores.

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O estudo observou que, para facilitar a “manutenção” da cessação do uso de opioides, os participantes usaram maconha para controlar sintomas específicos (desejos e ansiedade, por exemplo) no período após interromper o consumo da substância.

“Usar maconha realmente ajuda a não ter o primeiro desejo de usar opiáceos. Quando você é viciado e tem um hábito, então você tem que usar opiáceos. Mas quando você não tem um hábito e não fica doente por causa disso todos os dias, quando você está fumando maconha, isso te faz superar o obstáculo e aquele desejo de ficar chapado pela primeira vez. E é isso que torna a maconha tão especial”, disse um dos participantes.

Outro participante descreveu como a cannabis o ajudou a manter a cessação dos opioides ao usá-la em conjunto com os medicamentos para transtorno por uso de opioides: “Quando eu estava limpo com metadona, eu reduzi [minha metadona], mas eu estava usando apenas metadona e maconha. E isso me ajudou a ficar limpo e, então, eu usei maconha depois que eu parei completamente com todos os opiáceos. E isso me ajudou a ficar longe disso”.

Alguns participantes também relataram como a substituição pela cannabis ou couso (uso de ambas as substâncias) para controlar a dor dos sintomas de abstinência, como dores no corpo e desconforto generalizado, “levou à diminuição da frequência de injeções de opioides”.

“A primeira vez que parei de usar heroína, minha filha estava lá, ela estava por perto e era ela quem estava fumando maconha, então ela me disse para eu usar isso. Eu disse a ela que estava com muita dor [devido à abstinência de heroína]. Eu estava sob seis cobertores diferentes, não conseguia regular minha temperatura. Era muito desconfortável e eu estava vomitando e ela disse ‘aqui, você tem que comer alguma coisa, fumar um pouco de maconha’. E foi incrível como isso simplesmente tirou cinquenta por cento do desconforto. Se eu vejo alguém doente, eu digo a eles ‘aqui, fume um baseado, vai te ajudar’. E ajuda, ajuda muito”, relatou uma participante.

Segundo os depoimentos de vários entrevistados, o fácil acesso à maconha legal devido à regulamentação e aos vários dispensários foi um fator-chave para facilitar o uso de cannabis para fins de redução do consumo de opioides. Os participantes relataram que estavam implementando a maconha como um auxílio para reduzir seu uso de opiáceos, resultando em mudanças comportamentais e nos padrões de uso.

Os relatos apontam para os benefícios proporcionados pelos dispensários legais às pessoas que desejam cessar ou reduzir o consumo de opioides, como a oferta de produtos melhores e mais seguros do que os encontrados no mercado ilegal, bem como o acesso a outras formas de consumo como gomas e tinturas. “É fácil conseguir cannabis. Quase todo canto tem uma loja de maconha… Quando entro em um dispensário, eu sei o que estou comprando, eu sei o que eu quero… Normalmente eles só têm coisas melhores”, afirmou um dos entrevistados.

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Os autores do estudo ressaltaram que suas descobertas têm duas implicações principais de redução de danos para pessoas que injetam opioides.

Eles concluíram que a distribuição de maconha por meio de intervenções e programação de pares (trabalho realizado por pessoas que são pares dentro da população-alvo) de baixo limiar (com poucas exigências aos usuários) “pode facilitar mudanças nos padrões de uso de opioides”. E também que o acesso à cannabis como opção de tratamento para o transtorno por uso de opiáceos, junto com outros medicamentos, “pode melhorar a eficácia da absorção e os resultados e metas do tratamento”.

“Concomitantemente com a literatura existente, nossas descobertas apoiam o uso de cannabis com medicamentos para transtorno por uso de opioides. Os participantes do nosso estudo descreveram o uso de cannabis após a cessação de opioides para controlar sintomas como ansiedade e desejos relacionados à cessação. Alguns participantes fizeram isso usando cannabis junto com os medicamentos para a cessação de opioides”, escreveram os pesquisadores.

Os achados são consistentes com vários estudos realizados anteriormente sobre os benefícios da maconha para pessoas com transtorno por uso de opioides, como foi apontado pelos autores.

Um estudo publicado recentemente no Harm Reduction Journal, por exemplo, concluiu que o uso de cannabis pode beneficiar algumas pessoas que estão reduzindo o uso de opioides ou estimulantes, especialmente durante a recuperação inicial. Os participantes explicaram que a maconha era atraente devido ao seu perfil menos prejudicial (por exemplo, nenhum risco de overdose, fornecimento seguro, poucos efeitos colaterais).

Outro estudo, realizado com pacientes em tratamento para a dependência em opioides em clínicas localizadas em Washington e New England, descobriu que a probabilidade de overdose não fatal de opioides no ano anterior foi 71% menor entre os participantes que relataram uso de maconha.

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As descobertas do novo estudo, segundo os pesquisadores, também estão contextualizadas na literatura atual para sugerir que a integração da maconha aos protocolos de tratamento do transtorno por uso de opioides e do controle da dor para pessoas que usam opioides deve ser considerada.

Em um estudo realizado em Los Angeles e San Francisco sobre o uso de cannabis para diminuir a frequência de injeção, por exemplo, a frequência do uso de opioides foi significativamente menor para pessoas que usaram maconha em comparação com aquelas que não usaram.

Outro estudo, publicado na Cannabis and Cannabinoid Research, investigou a substituição de medicamentos para dor à base de opioides por cannabis e viu 97% dos participantes afirmando que a maconha ajudou a diminuir o uso de opioides e 81% relatando que a cannabis sozinha controlou efetivamente sua dor.

“Além da capacidade da cannabis de fornecer alívio sintomático, as pessoas que injetam drogas que vivenciam grandes desigualdades sociais e estruturais podem ter acesso à cannabis mais facilmente do que outras modalidades de tratamento, contribuindo para sua viabilidade para uso conjunto e substituição de opioides”, observaram os autores.

No entanto, o acesso legal e a facilidade de se encontrar um dispensário não removem todos os obstáculos ao tratamento. Com quase 60% dos participantes relatando não ter moradia ou ter moradia instável, ainda existem barreiras financeiras a serem observadas.

“Nossas descobertas expandem a literatura sobre a legalização da cannabis e o uso concomitante de opioides para enfatizar os possíveis benefícios dos programas de distribuição de cannabis acessíveis, especialmente para pessoas que injetam drogas indigentes e com moradia instável”, afirmaram os pesquisadores.

Embora tenha demonstrado resultados promissores, o estudo possui algumas limitações. A pesquisa foi conduzida na Califórnia, onde a maconha é legal para fins médicos e uso adulto e pode incluir uma amostra de participantes com maior acesso à cannabis, podendo não ser generalizável para outras regiões com legalidade diferente. Além disso, os indivíduos foram recrutados de locais de troca de seringas e de fornecimento de metadona, o que pode super-representar aqueles já motivados ou capazes de se envolver em padrões de uso de substâncias mais seguros.

“Apesar dessas limitações, esta pesquisa fornece insights importantes para orientar intervenções para usuários de opioides e pessoas que injetam drogas e avaliar a cannabis como uma ferramenta viável para modulação e cessação”, ponderaram os autores.

Dito isso, um estudo publicado recentemente no periódico Cannabis descobriu que pacientes canadenses autorizados a usar produtos de maconha relataram diminuição no uso de opioides prescritos, álcool, tabaco e outras substâncias. Entre os participantes que tomavam opiáceos, cinquenta e quatro por cento relataram uma diminuição após o uso concomitante com cannabis.

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Imagem de capa: Freepik | jcomp.

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