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Ministério da Justiça proíbe internação de adolescentes em “comunidades terapêuticas”

Medida ainda institui grupo de trabalho para elaboração de plano de desinstitucionalização de adolescentes internados; resolução do Ministério dos Direitos Humanos já havia proibido o acolhimento de menores em comunidades terapêuticas

O Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, suspendeu a resolução que permitia a internação de adolescentes com problemas decorrentes do uso de drogas em “comunidades terapêuticas”. A medida foi aprovada pelo colegiado há mais de quatro meses, porém só foi publicada no último dia 22 no Diário Oficial da União.

A resolução revogada foi publicada durante a gestão do governo anterior, que promovia o fortalecimento das comunidades terapêuticas através de financiamento público, mesmo sem nenhum indicador de que a estratégia funcionava. O texto chegou a ser derrubado por uma decisão da Justiça Federal de Pernambuco, que apontou para a violação de regras protetivas da criança e do adolescente, porém a União entrou com recurso e a resolução continuou em vigor.

Agora, com a nova resolução do Conad, a internação de menores em comunidades terapêuticas volta a ser proibida. A medida leva em conta que a proteção integral da criança e do adolescente está prevista na Constituição Federal e nos tratados internacionais de direitos humanos.

O novo texto também institui um Grupo de Trabalho que deverá elaborar um plano de desinstitucionalização de adolescentes internados em comunidades terapêuticas. O grupo deverá ser composto por representantes dos Ministérios da Justiça, do Desenvolvimento e Assistência Social, dos Direitos Humanos e da Cidadania, da Saúde e da Defesa, bem como pelos Conselhos Federais de Psicologia e de Serviço Social e três ONGs (Escola Livre de Redução de Danos, LANPUD e É de Lei).

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A proibição da internação de menores em comunidades terapêuticas já havia sido determinada em uma resolução recente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

A resolução do Conanda proíbe expressamente, em todo o território nacional, “o acolhimento, atendimento, tratamento e acompanhamento de crianças e adolescentes em comunidades terapêuticas ou em instituições que prestam serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas, em regime de residência, e que utilizam como principal instrumento terapêutico a convivência entre os pares”.

A medida ainda atribui ao Poder Executivo a responsabilidade de identificar todas as crianças e adolescentes que estão internados em comunidades terapêuticas e desenvolver um plano de desinstitucionalização para o restabelecimento dos seus direitos e o seu devido atendimento.

O texto do Conanda ressalta que, “em caso de necessidades de atendimento de urgência e/ou emergência e acolhimento transitório de crianças e adolescentes, o acolhimento deve ocorrer preferencialmente no CAPS i, CAPS Ad, leitos em hospitais gerais e em Unidade de Acolhimento Infantojuvenil de Saúde (UAI) de caráter transitório, garantindo a não institucionalização, o direito à convivência familiar e comunitária e a inserção social das crianças e adolescentes”.

Trabalhos espirituais e laborterapia como tratamento terapêutico

A Frente Parlamentar para Promoção da Saúde Mental divulgou recentemente a plataforma “Raio-X das Comunidades Terapêuticas”, que reúne mais de 1.280 documentos públicos, incluindo projetos terapêuticos e instrumentos de gestão, referentes ao período de 2017 a 2023. O levantamento inédito foi realizado a partir de fontes oficiais do governo.

Os dados revelam que 288 projetos terapêuticos receberam recursos do governo federal entre 2019 e 2022. No entanto, 15% dos projetos não mencionavam médicos em sua equipe de atendimento, 28% não tinham psicólogos, 67% não contavam com enfermeiros ou profissionais de enfermagem e 64% não incluíam assistentes sociais.

Segundo uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2017 havia cerca de 2 mil comunidades terapêuticas operando em todo o país. O estudo descobriu que quase metade (47%) das instituições são evangélicas ou protestantes e 27% católicas. Mas mesmo as comunidades sem orientação religiosa também declararam desenvolver trabalhos espirituais como forma de tratamento, representando 95% do total.

O levantamento da Frente Parlamentar revela ainda que 37% das comunidades terapêuticas incluíam a “laborterapia” em suas atividades, ou seja, o trabalho forçado como tratamento. A prática é condenada pelo Conselho Federal de Psicologia por ir contra a reforma psiquiátrica. “Para nós, a laborterapia não é uma modalidade de cuidado, mas se aproxima do trabalho análogo à escravidão”, afirmou o presidente do CFP, Pedro Paulo Bicalho.

Um estudo realizado pela Conectas Direitos Humanos e pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) revelou que, entre 2017 e 2020, as comunidades terapêuticas receberam R$ 300 milhões em investimento federal e R$ 260 milhões em valores repassados por governos estaduais e prefeituras de capitais.

O governo federal prevê R$ 56 milhões em orçamento, somente em emendas parlamentares, para o financiamento de comunidades terapêuticas, segundo um levantamento da Folha de S.Paulo divulgado em maio. O valor corresponde a 86% da dotação que foi prevista no ano de 2023 (R$ 65,1 milhões) e não abrange emendas de bancada e de comissões temáticas, apenas individuais. Até março, 262 unidades eram financiadas por meio do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social.

As comunidades terapêuticas ainda passaram a receber imunidade tributária, a partir da Lei Complementar 187/2021, que regula a Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (CEBAS) atuantes nas áreas da educação, saúde e assistência social. No entanto, segundo informações do governo, as comunidades terapêuticas não integram o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e tampouco o Sistema Único de Saúde (SUS).

Um relatório do Ministério Público Federal (MPF), com base em informações coletadas em vistorias realizadas em 28 comunidades terapêuticas de 11 estados, revela violações aos direitos humanos, como tortura, sequestro, cárcere privado e trabalho forçado, além de violação à liberdade religiosa e à diversidade sexual.

A inspeção do MPF ainda identificou ser comum, na maioria das comunidades terapêuticas, o uso da laborterapia, na qual o trabalho seria empregado como ferramenta de disciplina. Segundo o relatório, a mão de obra de internos costuma ser usada para serviços de limpeza, preparação de alimentos, manutenção, vigilância e até mesmo no controle e aplicação de medicamentos em outras pessoas internadas.

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Fotografia de capa: André Borges / Agência Brasília.

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Joel Rodrigues

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