Medicamentos são disponibilizados na rede estadual de saúde sergipana desde dezembro, para o tratamento de certas condições epiléticas; ainda neste mês, segundo protocolo será ofertado pelo Estado para portadores de Transtorno do Espectro Autista
Em Sergipe, a rede pública de saúde fornece medicamentos à base de canabidiol à população desde o final do ano passado, quando o governo sergipano lançou o primeiro protocolo clínico de acesso gratuito a produtos derivados de cannabis.
Os medicamentos derivados da cannabis são disponibilizados através do Núcleo de Atendimento em Terapias Especializadas (Nate), que atende mais de 50 pacientes. O estado de Sergipe foi pioneiro na distribuição de canabidiol na rede pública de saúde.
Atualmente, a oferta dos produtos à base de cannabis em Sergipe contempla pessoas com epilepsia refratária portadoras de condições específicas, como síndrome de Dravet, síndrome de Lennox-Gastaut e Complexo da Esclerose Tuberosa.
O responsável por acompanhar os pacientes no Nate é o neurocirurgião Tiago Cavalcante, que explica que o canabidiol atua com a potencialização de efeitos de substâncias produzidas pelo próprio cérebro, como a dopamina, serotonina e noradrenalina, responsáveis pela sensação de bem-estar. Segundo o médico, a terapia com o canabinoide não age como substituta para outros tratamentos, sendo utilizada nos casos em que há ineficácia dos medicamentos convencionais.
“O canabidiol é uma oportunidade a mais, especialmente naquelas situações em que o paciente usava mais do que duas medicações e não tinha efeito satisfatório, além de ter muito menos efeitos colaterais para o sistema nervoso central do que outras medicações”, esclareceu Cavalcante, em nota, destacando que o tratamento também é responsável pela diminuição do índice de mortalidade em pacientes com síndromes epilépticas.
De acordo com o neurocirurgião, o canabidiol pode ser indicado para uma série de condições, desde problemas de pele até doenças psiquiátricas, mas principalmente doenças neurológicas. A substância também pode ser utilizada para o tratamento de sintomas diversos. “Sintomas comportamentais, dores, a sensação de muita tristeza na depressão, a dor da fibromialgia, dor da esclerose múltipla, a fadiga crônica do Parkinson, e a epilepsia, que é a principal indicação”, exemplifica.
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“Maria tinha muitas crises, quase convulsões, também ficava em crises de ausência e algumas vezes perdia a consciência durante alguns minutos. Isso era contínuo. Depois do tratamento, essas crises quase zeraram; é muito raro ela ter uma crise, e quando ela tem é muito leve e passageira”, comentou Pedro Henrique, pai de Maria Francy, que é uma das pacientes atendidas pelo Nate.
A família já havia tentado o tratamento com outras substâncias que chegaram a amenizar os sintomas, mas nenhuma foi tão eficaz quanto o canabidiol. “A oferta pelo SUS é de grande benefício, pois, além de ser um medicamento de grande utilidade, ajuda a população com um tratamento o mais natural possível”, ponderou a mãe de Maria, Julie Vieira.
A menina, de apenas cinco anos, sofria com crises epilépticas graves, mas, desde o início do tratamento com canabidiol, apresentou avanços no sistema cognitivo e melhorou aspectos relacionados à atenção, além de ter dores e crises aliviadas.
O servidor público José Matheus Santos, 31 anos, viu sua qualidade de vida aumentar de maneira exponencial a partir do tratamento com o canabidiol. Por conviver com um tipo de síndrome epilética mais grave, ele precisa associar o uso da substância a outros medicamentos, mas, segundo ele, o canabinoide é responsável por boa parte do bem-estar.
José Matheus participou da inauguração do Nate em dezembro, a qual ele classifica como um passo fundamental para a saúde sergipana. “A luta para conseguir o medicamento era muito grande, e o gasto para os meus pais era imenso. Já cheguei a correr risco de morte devido à quantidade de crises. Ao receber os medicamentos, quando o núcleo foi inaugurado, a emoção foi muito grande para mim. O valor de uma caixa é imenso, e muitos utilizam de duas a três por mês”, comentou.
De acordo com a coordenadora da Assistência Farmacêutica da Secretaria da Saúde de Sergipe, Juliana Santos, os pacientes do Nate são acompanhados por neurologista com especialização em epilepsia e experiência em prescrição de produtos de cannabis, e por uma nutricionista especialista em nutrição neurológica. “Todo o processo tem os objetivos principais de acolher pacientes e familiares e garantir que a terapia com cannabis medicinal atinja a maior eficácia possível”, assegura.
O governo sergipano anunciou que, a partir do dia 17 deste mês, com a implementação do segundo protocolo clínico estadual de acesso aos produtos derivados de cannabis, será incluído o Transtorno do Espectro Autista. A prioridade serão pacientes maiores de cinco anos com diagnóstico de TEA associado ao comportamento agressivo.
“Entendemos que é uma condição clínica com extremo prejuízo na qualidade de vida dos pacientes e de seus cuidadores. O encaminhamento desse novo grupo de pacientes será por meio do seu médico assistente especialista, utilizando-se também de uma ficha de encaminhamento padronizada, explicitando a falta de resposta aos medicamentos de primeira linha, os antipsicóticos”, explicou Juliana.
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Fotografia de capa: Unsplash | Kimzy Nanney.