Deputados da base governista interromperam a tramitação da proposta após o parecer favorável à aprovação do texto ser apresentado pelo relator
A votação do parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara sobre a proposta de emenda constitucional que reforça a criminalização do porte de drogas ilícitas foi adiada. O andamento da matéria foi interrompido por um pedido de vista (mais tempo para análise) apresentado durante a audiência realizada nesta terça-feira (4).
“Nós temos uma tentativa de novamente criar uma cortina de fumaça e transformar a CCJ num quintal da extrema-direita para tentar passar recados ao Supremo Tribunal Federal, o que custa a vida dos jovens negros encarcerados em nosso país, aliás com um argumento patético, como se o julgamento do STF trata-se da descriminalização das drogas no país, o que não é o caso”, declarou a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) no início da audiência.
Ela e o deputado Bacelar (PV-BA) apresentaram um pedido de vista após a leitura do parecer da relatoria, que foi favorável à aprovação da PEC. As vistas têm a duração de duas sessões, de acordo com o regimento interno da Câmara, e a proposta pode voltar à pauta do colegiado na próxima semana.
Antes disso, requerimentos para retirar a PEC da pauta foram apresentados por Melchionna e os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ), Célia Xakriabá (PSOL-MG), Túlio Gadêlha (Rede-PE) e Patrus Ananias (PT-MG), porém os pedidos foram rejeitados em votação.
“Nós entendemos que a lei de drogas em vigor no país já é bastante gravosa a quem usa drogas ilícitas”, disse o deputado Alencar, ao defender a retirada de pauta. “A gente querer tratar aqui dessa questão de querer colocar na Constituição a punição às drogas e o caráter repressivo que isso deve ter exige uma discussão sobre a histórica política de guerra às drogas fracassada do mundo inteiro, que se vê que isso aumenta permanentemente o consumo. Encarcerar o usuário é uma burrice do ponto de vista da necessidade de uma sociedade saudável e do bem-estar.”
Para Bacelar, incluir a ampla criminalização do porte de drogas na Constituição é um golpe contra o caráter democrático da Carta Magna e contra a segurança pública. “Droga não é questão policial, não é questão de liberdade individual, droga é matéria de justiça social, combater a criminalização implica lutar contra a matança de pessoas pobres pretas. O que se está fazendo é querer criminalizar cada vez mais a juventude preta desse país, é uma discriminação. E olha a origem de quem defende isso e nós vamos entender”, afirmou o parlamentar ao votar pela retirada da pauta.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) também votou em nome de sua bancada pela retirada da PEC da pauta, argumentando que a criminalização não é uma preocupação com a saúde do usuário de drogas. “A ciência sabe que o álcool é uma droga muito mais nociva à saúde da população, inclusive não há quantidade que não seja nociva à saúde das pessoas, e nem por isso se propõe que o álcool seja criminalizado aos usuários, e nem deveria porque, quando se torna crime, a pessoa que tem alguma questão de saúde não vai procurar o tratamento, porque a partir do relato do consumo que ela está fazendo ela pode vir a ser criminalizada e processada”, afirmou.
Elton Welter, deputado do PT pelo Paraná, advertiu que a PEC infringe a garantia do direito fundamental à saúde. “Sabem da responsabilidade que esse governo tem para cuidar das famílias dos povos desassistidos, do negro lá da periferia, que muitas vezes precisa de tratamento de saúde, e não ser preso e condenado se não se olha o histórico dele, que pode ser só de usuário”, ponderou.
O relator da PEC na CCJC, deputado Ricardo Salles (PL-SP), apresentou seu relatório afirmando que os usuários de drogas são “os principais responsáveis pela manutenção e crescimento do crime de tráfico de entorpecentes” e devem ser criminalizados. Salles embasou seu parecer em fake news, como a de que o uso de qualquer droga “é a porta de entrada para o vício em outras substâncias ilícitas mais prejudiciais à saúde”, e na “cartilha da maconha”, elaborada pelo ministério da família do governo anterior, que reúne informações falsas sobre a planta.
Criticando o relatório, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) afirmou que a Constituição Federal não deve ser utilizada por “maiorias eventuais” para escreverem na carta magna “uma posição ideologizada e extremista” sem fundamento em evidências científicas. “É um parecer que criminaliza gente que precisa de tratamento de saúde, gente que é dependente químico, e que deveria ter acolhida por parte do estado, deveria ser tratado através de políticas públicas, no campo da saúde pública, e não no campo do sistema prisional”, declarou.
Os deputados Lucas Redecker (PSDB-RS), Osmar Terra (MDB-RS), Paulo Bilynskyj (PL-SP), Marcos Pollon (PL-MS), Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), Coronel Fernanda (PL-MT) e Alberto Neto (PL-AM) fizeram questão de usar seu tempo de fala para defender a criminalização das pessoas que usam drogas.
A PEC, que inclui um dispositivo na Constituição Federal para reforçar a criminalização de quem consome e de quem comercializa drogas ilícitas, foi aprovada pelo Senado em abril. A tramitação do texto está avançando apesar de vários especialistas do direito e outras áreas e organizações da sociedade civil apontarem para sua inconstitucionalidade.
Na prática, a PEC sobre drogas é uma resposta política ao julgamento do Supremo Tribunal Federal que pode descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Os ministros analisam a constitucionalidade do artigo da lei de drogas que criminaliza o usuário. Até o momento, oito magistrados já votaram, formando um placar de 5 a 3 pela inconstitucionalidade da criminalização do usuário de cannabis.
A fixação de uma quantidade-limite para diferenciar o consumo próprio do tráfico foi sugerida por todos os ministros que votaram no julgamento — as sugestões variam entre 10 gramas e 60 gramas de maconha para a caracterização do porte para uso.
O julgamento estava parado no STF desde a última sessão que analisou o caso, quando o ministro Dias Toffoli pediu vista. No entanto, a ação foi liberada nesta terça-feira e já pode voltar a ser julgada. O presidente da Corte, ministro Roberto Barroso, agora deverá marcar a data para retomada do processo.
Imagem em destaque: Bruno Spada / Câmara dos Deputados.