O encerramento das atividades da Associação Brasileira das Indústrias de Canabinoides (BRCann) marca um momento simbólico para o setor da cannabis no Brasil. Mais do que o fim, o episódio expõe a fragilidade das articulações institucionais que deveriam representar um mercado em plena expansão — e reacende o debate sobre a urgência de uma nova liderança, mais conectada, diversa e comprometida com a transformação real
A Associação Brasileira das Indústrias de Canabinoides (BRCann), ao que tudo indica, encerrou definitivamente suas atividades. Embora o anúncio utilize o termo “pausa nas atividades associativas”, nos bastidores a decisão é tratada como um encerramento sem volta. O ciclo iniciado em 2021 chega ao fim com pouco a ser comemorado além do crescimento orgânico de um mercado que avançou, apesar das estruturas frágeis que deveriam representá-lo institucionalmente.
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A ruptura já se desenhava desde o início de 2024, quando empresas começaram a deixar a associação silenciosamente, desmobilizando o que restava de articulação política e presença institucional. O esvaziamento se tornou irreversível.
O estopim, porém, remonta a 2023, com a troca na liderança: saiu Tarso Araújo, um dos nomes mais antigos e respeitados do ecossistema da cannabis no Brasil — reconhecido por seu compromisso com a causa, mesmo antes do lançamento do documentário Ilegal em 2014 — e entrou Bruna Rocha, advogada do setor de Life Sciences, mas sem o mesmo enraizamento nas dinâmicas do ativismo, da indústria e da pauta política.
Não se trata de questionar competências técnicas, mas de reconhecer que o mercado da cannabis não se constrói apenas com boas intenções jurídicas ou expertise corporativa. Trata-se de um campo em que ciência, política, justiça social, saúde e inovação se entrelaçam em uma teia complexa, e onde representatividade real ainda é um recurso escasso.
Em maio de 2024, Anita Kreep escreveu no Poder360 o artigo “Falta de representatividade preocupa a indústria brasileira da cannabis”, onde já antecipava esse cenário. À época, tanto a BRCann quanto a Abicann (envolta em questionamentos jurídicos) mostravam sinais claros de esgotamento institucional.
A queda da BRCann não é um colapso repentino, mas o reflexo de uma construção frágil, marcada por distanciamentos estratégicos e pela incapacidade de costurar, de fato, uma união entre os diferentes atores do setor. A promessa de representar a indústria virou, em muitos momentos, um exercício de isolamento. E, como sabemos, na cannabis, a união não é um bordão – é uma necessidade vital.
O mercado amadurece. A RDC 327 completa cinco anos e já existem uma centena de produtos autorizados pela Anvisa. O varejo cresce. As discussões sobre cultivo avançam, ainda que a passos lentos, no Congresso Nacional. O que falta é o elo que una ponta a ponta: da produção à política, da ciência ao consumidor final. E isso exige mais do que uma entidade — exige propósito, escuta e estratégia.
O fechamento da BRCann, longe de ser um revés, pode ser a faísca para uma nova fase. Uma oportunidade para que surjam iniciativas mais plurais, horizontais e conectadas às reais necessidades do ecossistema. O setor precisa de representantes que conheçam Brasília, sim — mas, antes disso, que conheçam a base, os pacientes, as startups, os agricultores, os médicos, os cientistas e os empreendedores que todos os dias constroem esse mercado com as próprias mãos.
A era da formalidade vazia precisa dar lugar à construção coletiva. Que o fim da BRCann não seja lamentado como um fracasso, mas reconhecido como a chance de recomeçar.
A notícia sobre o encerramento das atividades da BRCann foi inicialmente publicada no perfil da jornalista Anita Krepp, no LinkedIn, onde ela compartilhou bastidores e reflexões importantes sobre o impacto dessa decisão para o ecossistema da cannabis no Brasil. Seu post serviu como ponto de partida para a análise crítica que desenvolvemos neste artigo — e reforça como vozes atentas e comprometidas seguem sendo fundamentais para manter o debate vivo e informado.
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