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“Nós estamos perdendo a guerra contra as drogas no Brasil”, afirma Barroso no Roda Viva

“Nós estamos perdendo a guerra contra as drogas no Brasil”, afirma Barroso no Roda Viva

Entrevistado no programa da TV Cultura, o presidente do STF explicou o que está sendo discutido no julgamento que analisa a constitucionalidade da criminalização do usuário de drogas

“Quem despenalizou o porte de drogas para consumo pessoal foi o Congresso, há muito tempo, quando votou a Lei de Drogas. O que o Supremo está fazendo em relação a drogas é definindo qual quantidade distingue consumo pessoal de tráfico, porque, se o Supremo não faz isso, quem decide é a polícia, é o policial que está em operação em determinado lugar. E, para dar um exemplo do Rio de Janeiro, 50 gramas na Zona Sul do Rio é porte para consumo pessoal, 50 gramas na periferia da cidade é considerado tráfico. Geralmente, você está falando de brancos e de negros, de ricos e de pobres”, disse o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, durante o programa Roda Viva (TV Cultura) exibido na segunda-feira (10).

Barroso abordou o julgamento em andamento no STF, que pode declarar inconstitucional a criminalização do porte de maconha para uso pessoal, após o jornalista Felipe Recondo, do Jota, alegar que o Supremo teria recuado o processo diante das críticas da extrema-direita.

A retomada do julgamento do Recurso Extraordinário 635659, que contesta a constitucionalidade do artigo da Lei de Drogas que criminaliza o usuário de drogas, em agosto do ano passado, quando o processo recebeu o quarto voto favorável à descriminalização do porte de maconha, provocou a ira da ala reacionária do Congresso Nacional, que apresentou propostas de emenda constitucional contra a descriminalização dos usuários.

Uma dessas propostas, a PEC 45/2023, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), conseguiu avançar em sua tramitação e está a um passo de chegar ao plenário da Câmara dos Deputados, que é a última etapa para ser promulgada. O texto avançou enquanto o julgamento no STF, após ser interrompido por um pedido de vista do ministro André Mendonça, estabeleceu um placar de 5 a 3 pela inconstitucionalidade da criminalização do porte de cannabis para consumo próprio.

A PEC 45, que busca incluir na própria Constituição a criminalização do porte de drogas ilícitas, foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara após o julgamento no Supremo ser liberado para votação pelo ministro Dias Toffoli.

No entanto, Barroso não entrou nesse mérito e se ateve a explicar ao jornalista o que é o julgamento no STF — o que vem fazendo reiteradamente desde que a PEC começou a tramitar no Senado e os apoiadores da proposta passaram a acusar o Supremo de estar legislando sobre tema das drogas.

“Portanto, o Supremo quer acabar com a discriminação e estabelecer qual é a quantidade [de droga] que vale para pobre e para rico, senão você fica sujeito a um critério discricionário, um critério de escolha momentânea do policial, que pode variar: um acha que sim e um acha que não”, completou o presidente da Suprema Corte.

Ao ser questionado pela jornalista Vera Magalhães sobre como a PEC 45 se compatibiliza com o julgamento no STF, Barroso explicou que atualmente a lei de drogas já não pune o usuário de drogas com pena de prisão e que criminalizar “não quer dizer necessariamente que deva voltar a ser pena de prisão”.

“Mas a questão da quantidade continua a ser importante para distinguir tráfico que leva à prisão de porte que não leva à prisão”, frisou o ministro.

“A verdade é que nós estamos perdendo a guerra contra as drogas no Brasil, de modo que não importa o que cada um ache”, afirmou Barroso. “Tem gente que acha que se deveria fazer uma experiência de legalização, controlada, talvez em um espaço específico para verificar as consequências, como se está fazendo em outras partes do mundo, boa parte dos estados americanos, na Alemanha, que recentemente descriminalizou, Portugal, Espanha, Uruguai, enquanto outros países reprimem”.

Para Barroso, existem duas políticas de drogas que podem ser praticadas, a da repressão e a da legalização. “A política que nós temos praticado não é de legalização, é de repressão, mas uma repressão muito equivocada em seu funcionamento, porque a verdadeira repressão ao tráfico de drogas tem que ir atrás dos grandes traficantes, dos grandes carregamentos, do dinheiro, e monitorar fronteira. E a política de drogas que se pratica no Brasil é prender menino pobre de periferia com pequenas quantidades de droga”, advertiu.

“Você bota esse menino na prisão e ele fica preso lá um ano e meio, dois anos, entra para uma escola do crime, porque quando ele chega na prisão tem que se filiar a alguma das facções criminosas; quando ele sai, ele sai devendo favor e sai muito pior do que entrou, e no dia em que ele foi preso ele é substituído por outro para fazer a mesma coisa que ele”, continuou o ministro.

Dessa forma, segundo Barroso, além de ser “uma política que destrói vidas”, a atual política de drogas brasileira onera o Estado com o custo financeiro das vagas no sistema penitenciário sem produzir “nenhum abalo sobre o tráfico”.

“Quase 30% das pessoas no sistema prisional brasileiro estão presas por delitos associados a drogas, e na verdade a gente está fornecendo mão de obra para as facções criminosas”, concluiu.

Questionado sobre a demora do STF em concluir o julgamento que pode levar à prisão o ex-presidente Fernando Collor, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Barroso admitiu que “o direito penal brasileiro é um direito manso com os ricos e duro com os pobres”.

“A circunstância de que no Brasil é muito mais fácil punir pobre do que punir rico é um fato que, infelizmente, eu não poderia negar, nem querendo defender a Justiça”, disse Barroso, ressaltando que estava se referindo ao direito penal de forma geral e não ao caso do Collor especificamente.

Iniciado há quase nove anos, o julgamento no STF sobre a descriminalização do porte de maconha analisa uma ação apresentada em 2011 que pede a inconstitucionalidade da criminalização do usuário de drogas por ofender as garantias da inviolabilidade da vida privada e da intimidade. O recurso foi apresentado contra uma decisão da Justiça Paulista, que manteve a condenação de um homem flagrado com 3 gramas de cannabis dentro de um centro de detenção provisória.

O processo foi liberado para votação na semana passada e aguarda ser pautado pelo ministro Barroso.

Assista ao programa Roda Viva com o ministro Luís Roberto Barroso:

Imagem de capa: TV Cultura.

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