Pacientes, profissionais da saúde e especialistas defenderam o acesso gratuito aos medicamentos derivados da maconha para pacientes portadores da condição dolorosa
A Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado da Assembleia do Rio Grande do Sul realizou, na sexta-feira (12), uma audiência pública para debater a pesquisa e a distribuição pelo SUS de medicamentos à base de maconha no tratamento da fibromialgia. O debate foi solicitado pelo deputado Leonel Radde (PT), que é o presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Cannabis Terapêutica da ALRS.
Representando o grupo Fibromialgia Luta por Direitos, Ana Paula Rodrigues Marques falou sobre sua experiência com a doença. Ela contou que foi diagnosticada em 2018, após passar por vários médicos, e passou a fazer os tratamentos tradicionais, com analgésicos, relaxantes musculares e antidepressivos, durante três anos. Nesse período, ela ficou incapacitada para estudar e trabalhar, uma vez que os medicamentos não surtiam efeito e causavam efeitos colaterais indesejados. Após iniciar o uso da cannabis, ela percebeu melhoras, embora inicialmente tenha percebido pouco resultado, pois o médico introduziu o tratamento com o CBD isolado.
“A gente sabe que o CBD isolado não é eficaz para muitas patologias, e ele não é tão eficaz no controle de dor, principalmente. Então o que tem que ser usado é o com teor de THC, que ele que vai modular a dor de uma melhor forma”, explicou Ana Paula, que estudou o assunto para entender como a cannabis poderia ajudar em sua condição. “É o médico e a ciência que têm que decidir o que que é o melhor e não criminalizar uma planta, a maconha é uma planta. Ela deveria ser plantada e extraído o melhor que ela pode oferecer para a humanidade. É uma planta milenar, que antes já era utilizada na medicina antiga, só que foi criminalizada”.
Ela também falou sobre o alto custo do tratamento, devido à proibição do plantio de cannabis em solo nacional fazendo com que o insumo seja importado, o que prejudica o acesso dos pacientes com baixa renda, ressaltando a importância da pesquisa e da distribuição dos medicamentos à base da planta pelo SUS.
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O médico e professor universitário Alexandre Bublitz ressaltou que a fibromialgia ainda é uma doença desconhecida por boa parte da população, mas que é extremamente prevalente, pois 5% da população tem a doença em algum grau. “Isso é algo muito impactante para a sociedade. E essa é uma doença que é incapacitante, que causa dor crônica e é uma dor constante, de difícil tratamento. É dor todos os dias, o tempo todo. E isso vai trazendo diversas consequências, físicas e mentais”, comentou.
Bublitz explicou que, atualmente, não existe nenhum medicamento que faça um tratamento 100% efetivo e cure a fibromialgia. “Por isso que é importante ter pesquisas sobre novas medicações, e é aí que a gente entra na questão da maconha medicinal”, observou, ressaltando que em toda a história da medicina foram criados medicamentos a partir de plantas e conhecimentos milenares, dando o exemplo dos opioides, como a morfina, “que é uma das medicações mais utilizadas para o tratamento de dor em todo o mundo”, embora seja extraída de uma planta que há muito tempo é utilizada também de forma recreativa.
“A maconha é mais uma planta que a gente precisa estudar. E por que a gente não estuda? Por causa do preconceito, mais uma vez o preconceito na frente da ciência”, advertiu Bublitz. Ele mencionou ainda estudos que já mostraram a efetividade da cannabis em crises convulsivas de difícil controle e no tratamento na dor crônica, que pode ser causada por várias doenças. Nesse sentido, defendeu a realização de mais pesquisas específicas sobre a eficácia da planta para a fibromialgia.
Ele ainda mencionou como a judicialização do acesso — que é quando o paciente aciona a Justiça para receber o tratamento — onera os cofres públicos, pois fica muito mais caro a compra dos medicamentos derivados da maconha em pouca quantidade para atender às ações judiciais do que a aquisição em larga escala, e elogiou a política de distribuição de produtos de cannabis que foi implementada no estado de São Paulo.
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A diretora do Sindicato dos Enfermeiros do RS, Bruna Engelmann, falou sobre sua experiência na atenção primária à saúde junto ao tratamento de muitas pessoas com fibromialgia. Segundo a enfermeira, além da dor causada pela doença ser incapacitante, os efeitos colaterais dos medicamentos usados no tratamento convencional, como antidepressivos e antipsicóticos, também prejudicam os pacientes no seu dia a dia. “Então nada mais justo do que a gente trazer uma medicação que o Estado possa fornecer e que possa trazer benefícios para os pacientes”, ponderou, referindo-se ao tratamento à base de cannabis. Ela ainda mencionou a falta de interesse na realização de pesquisas sobre a dor, por ser uma condição subjetiva.
“A própria fibromialgia é uma doença que demora muito tempo para ser diagnosticada. Então as pessoas ficam em sofrimento durante anos, tentando vários tipos de medicação até finalmente vir o diagnóstico e começar algum tipo de tratamento”, observou Engelmann. “Então a gente precisa ir pra frente, ir à luta para que a cannabis seja aceita, porque ela já está sendo muito utilizada para dor, para crianças que são agitadas, que têm autismo, e funciona”.
Ivanisa Fagundes Bonatto, representando o grupo Fibromialgia Luta por Direitos, relatou que utiliza vários medicamentos e faz diversos tratamentos para a doença, e que nada resolve. Ela comentou que não tem condições financeiras de fazer o tratamento com cannabis, mas que já experimentou os benefícios da terapêutica canábica quando recebeu uma doação de óleo full spectrum (extrato com todos os compostos da planta). “Aquele mês foi maravilhoso. Depois de uma semana começou a fazer efeito. Eu consegui dormir sem remédio, fiquei sem dor, fiquei superbem”, relembrou, contando que foi na farmácia verificar o preço, que chegava a R$ 2 mil.
Bonatto defendeu que o acesso gratuito aos medicamentos de cannabis para as pessoas com fibromialgia, que precisam muito de uma alternativa eficaz para o controle da dor, ressaltando que esses pacientes ainda sofrem com o preconceito. “Nós precisamos muito, pois são vidas que estão paralisadas, que não estão conseguindo se desenvolver plenamente, e somos alvos de preconceito e tudo o que é tipo de julgamento”, desabafou.
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Daniel de los Santos, diretor da Acuracan Associação Terapêutica, entidade que atende a milhares de pacientes que necessitam da cannabis em seu tratamento, comentou que o Brasil é um dos países que mais pesquisam a maconha no mundo e que esse conhecimento precisa chegar ao público e à classe médica, para que o debate evolua. “Nós poderíamos estar produzindo esse remédio aqui, que é muito mais interessante e nos mantém fora do mercado global, desse problema logístico que é chave para a produção”, afirmou.
Leonel Radde falou sobre um projeto de lei de sua autoria que institui a política de fornecimento gratuito de medicamentos à base de cannabis no SUS Gaúcho. “Nós temos a possibilidade de ter um parecer favorável na CCJ, tudo indica isso. Nosso projeto tem os mesmos moldes do que foi aprovado na Câmara Municipal de Porto Alegre e é muito similar aos demais quinze Estados que já têm a aprovação desse tipo de projeto. O Rio Grande do Sul está defasado em relação a isso”, observou o deputado, ressaltando que, mesmo sendo uma pauta de esquerda, foi aprovada em estados governados pela direita.
“A dor não pode esperar, as pessoas que necessitam fazer o uso pois têm uma síndrome ou uma doença e isso pode aliviar os seus sintomas, eu não estou dizendo que vai ser um tratamento que vai trazer a cura, mas se a gente puder minimizar e mitigar o sofrimento, reduzir a utilização de medicamentos que têm um efeito colateral maior e trazem outros prejuízos à saúde, isso é muito importante para a nossa sociedade”, declarou o deputado sobre a importância de proporcionar o acesso ao tratamento à base de cannabis.
Radde também é autor da lei que a instituiu o programa municipal de uso de cannabis para fins medicinais em Porto Alegre. A legislação garante ao paciente o direito de receber gratuitamente do poder público medicamentos derivados da maconha.
Também participaram da audiência pública: o coordenador do Centro de Apoio de Defesa dos Direitos Humanos e da Proteção aos Vulneráveis do MPRS, Leonardo Menin; o vereador Aldacir Oliboni (PT), que é autor do requerimento que criou a frente parlamentar em defesa de cannabis terapêutica na Câmara de Porto Alegre; e a vereadora suplente da capital gaúcha Polaca Rocha (PT).
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Imagem de capa: Fernando Gomes | ALRS.