Legislação foi sancionada após mais de cinco anos desde que a Corte Constitucional sul-africana declarou a proibição do consumo privado de cannabis inconstitucional
Na véspera das eleições nacionais que aconteceram nesta quarta-feira (29), o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, do partido Congresso Nacional Africano (ANC), sancionou oficialmente a Lei de Cannabis para Fins Privados (Cannabis for Private Purposes Act). A nova lei legaliza o cultivo, a posse e o consumo de maconha por adultos em espaços privados. A comercialização da planta se mantém proibida e está sujeita à pena de prisão, que pode chegar a 10 anos. O consumo em público e perto de crianças também fica proibido e sujeito a penalidades. Além disso, a cannabis foi removida Lei de Drogas e Tráfico de Drogas (Drugs and Drug Trafficking Act).
Ramaphosa assinou a nova lei na terça-feira (28) por volta das 22h30, hora local, bastante em prol da campanha para que seu vice-presidente, Paul Mashatile, garanta a continuidade do partido no governo. Considerada como uma “legalização não comercial”, a equipe do governo declarou que é apenas uma primeira etapa em direção à total legalização, o que deixou os ativistas otimistas.
A ativista sul-africana Myrtle Clark, fundadora da ONG Fields of Green for All, comentou que, apesar da legalização não ser completa, a África do Sul é a primeira nação africana a legalizar o uso adulto, o cultivo e posse de cannabis e a iniciar o processo de regulamentação, o que representa um avanço significativo e uma posição de liderança no continente. Clark acrescentou: “O mais importante é que agora é lei, a cannabis está legalizada, mas agora é preciso que a sociedade civil acompanhe de perto o processo de regulamentação que deverá ser feito pela nova gestão”.
A legislação prevê ainda a eliminação de registros criminais por posse de maconha.
Desde a descriminalização em 2018, já são mais de 300 clubes de cannabis
Isso marca um avanço considerável desde que a cannabis foi descriminalizada em 2018 pela Corte Constitucional, que considerou inconstitucional a proibição da posse e cultivo de maconha para consumo pessoal. A nova legislação agora legalizou o cultivo doméstico e a posse de até 100 gramas em espaços públicos, e de até 600 gramas por pessoa ou 1.200 gramas por residência em locais privados.
O julgamento de 2018 permitiu a formação de clubes de cannabis. Esses clubes, que se estruturam como administradores de serviços hortícolas profissionais, operam sob a premissa de que seus membros podem compartilhar cannabis sem a troca de dinheiro ou compensação direta. Dentro de um contexto onde a cannabis já é bastante normalizada, estima-se que atualmente existam mais de 300 clubes de cannabis em operação na África do Sul, refletindo o crescimento e a aceitação crescente desse modelo.
Investimento e expansão do setor agrícola com cânhamo industrial
Segundo o advogado Shaad Vayej, embora a nova lei não trate expressamente da comercialização, ela potencialmente abre caminho para investimentos na indústria da cannabis, ao remover a possibilidade de processos criminais para investidores em negócios (particularmente no espaço do cânhamo industrial) que anteriormente poderiam ser considerados cúmplices do crime de tráfico de drogas.
É também positivo que a nova legislação permite o compartilhamento de maconha. A lei permite que qualquer pessoa adulta forneça ou obtenha cannabis de outra pessoa adulta, desde que não haja troca de qualquer contraprestação: presente, recompensa, favor ou benefício. Segundo Shaad, essa disposição específica pode permitir uma interpretação favorável aos clubes privados de cannabis, que são, em princípio, estruturados como administradores de serviços hortícolas, em vez da troca direta de cannabis. “Resta saber se tal interpretação pode ou será sustentada pelos nossos tribunais.”
“Está claro que ainda há um longo caminho a percorrer para se alcançar uma indústria da cannabis próspera, bem regulada e inclusiva. Mas este é, sem dúvida, um passo importante na direção certa e um grande avanço para a indústria como um todo”, afirmou ainda o advogado. Ele acrescentou que “uma nova era surge na crescente indústria da cannabis na África do Sul, e estamos fazendo bons progressos na comercialização deste produto, alinhando-nos com a tendência global de legalização. A nova legislação representa um marco histórico para a África do Sul e pode inspirar outras nações do continente a reconsiderarem suas políticas em relação à cannabis, promovendo uma abordagem mais moderna e científica sobre a substância”.
(Reportagem de Larissa Barbosa)
Imagem de capa: Vecteezy | Pisut Tardging