Monitorados pela Agência Mundial Antidopagem, Jogos Olímpicos mantêm proibição à cannabis
O chefe executivo da Agência Antidoping dos Estados Unidos (USADA) está criticando a proibição injustificada da maconha em competições esportivas, que vem prejudicando injustamente atletas que testam positivo para canabinoides. A pesquisa científica já demonstrou que a cannabis não proporciona nenhum ganho de desempenho a quem a consome.
Travis Tygart, CEO da USADA, disse em entrevista recente ao Yahoo Sports que os atletas não deveriam ser punidos por testar positivo para maconha, a menos que seja possível provar que eles criaram um risco à saúde e à segurança ou tentaram obter uma vantagem competitiva.
“Acho que todos nós deveríamos ser abertos e diretos sobre a falta de benefícios de melhoria de desempenho da maconha. Não estamos no negócio de policiamento de drogas recreativas. Estamos aqui para prevenir fraudes no esporte e trapaceiros no esporte”, afirmou Tygart.
Em sua opinião, é “decepcionante” que a Agência Mundial Antidopagem (AMA) mantenha a cannabis em lista de substâncias proibidas. Fundada pelo Comitê Olímpico Internacional para supervisionar os testes de drogas em todo o esporte global, a agência mantém proibido em competições todos os canabinoides, com exceção do canabidiol.
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Tygart foi uma das muitas pessoas que se solidarizaram com a velocista estadunidense Sha’Carri Richardson em 2021, quando a atleta foi privada da chance de disputar uma medalha na Olimpíada de Tóquio por causa de um teste positivo para maconha. Uma das principais candidatas ao ouro nos 100 metros rasos, a corredora foi suspensa por um mês e não pôde realizar sua prova.
Após a USADA, a Casa Branca e vários atletas e políticos pedirem por mudanças na regra que tirou Richardson dos Jogos de Tóquio, a AMA (ou WADA, na sigla em inglês) realizou uma revisão científica para verificar se a cannabis atendia a pelo menos dois dos três critérios da agência para inclusão em sua lista de substâncias proibidas.
Um painel de farmacologistas, toxicologistas e outros especialistas não encontrou estudos rigorosamente conduzidos indicando que a maconha beneficia o desempenho, a resistência ou a recuperação. No entanto, o grupo afirmou que o uso da cannabis se encaixava no segundo e no terceiro critérios da WADA: representa um risco à saúde dos atletas e viola o “espírito do esporte”.
Em um editorial publicado na Addiction, os especialistas da WADA defenderam sua decisão alegando, por exemplo, que o consumo de maconha pode “resultar em déficits no tempo de reação, estimativa temporal e destreza”, e que o uso da planta “viola a lei na maioria dos países ao redor do mundo” e prejudica a “excelência no desempenho” esportivo.
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Na entrevista ao Yahoo, Tygart questionou o resultado e a transparência da revisão conduzida pela WADA, descrevendo o processo como “muito fechado” e afirmando que as autoridades dos EUA só ficaram sabendo disso “depois do fato”.
“No final das contas, é injusto punir um comportamento que não é uma violação das regras”, disse Tygart, “e é isso que ocorre atualmente em alguns casos”.
Richardson usou suas redes para criticar a incoerência das regras da WADA, após a patinadora artística russa Kamila Valieva testar positivo para uma substância proibida (trimetazidina) no final de 2021 e, mesmo assim, ser autorizada a competir nos Jogos de Pequim.
“Podemos ter uma resposta sólida sobre a diferença entre a situação dela e a minha? Minha mãe morreu e eu não posso correr”, escreveu Richardson em sua conta no Twitter (atual X), após ter explicado em uma entrevista que usou maconha alguns dias antes do início das seletivas olímpicas como uma forma de lidar com a perda de sua mãe biológica. “A única diferença que vejo é que sou uma jovem negra”, acrescentou a velocista.
Em janeiro deste ano, Valieva foi considerada culpada de violação antidoping pela Corte Arbitral do Esporte (CAS) e foi suspensa de competições por quatro anos. A proibição é retroativa a 25 de dezembro de 2021, quando ela testou positivo para trimetazidina, um medicamento para o coração que pode aumentar a resistência. Todos os resultados conquistados pela patinadora desde então serão anulados — no período, a atleta conquistou o ouro por equipes em Pequim.
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Nos últimos anos, à medida que estado após estado vem aprovando leis de legalização da maconha nos EUA, as principais organizações esportivas passaram a reformar suas políticas de cannabis.
A NFL (liga nacional de futebol americano dos EUA) ainda multa jogadores por maconha, mas não os suspende mais por doping de cannabis, após um acordo de negociação coletiva assinado no início de 2020. No entanto, os testes ainda realizados pela organização estão sendo contestados em um tribunal federal pelo jogador Randy Gregory, que foi multado por tomar um medicamento contendo THC, que lhe foi prescrito para tratar ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático.
A NBA removeu a maconha de sua lista de substâncias proibidas em 2020 e codificou a mudança em um acordo com a associação de jogadores assinado em junho do ano passado. De acordo com a política, as equipes podem encaminhar atletas suspeitos de terem problemas de dependência relacionados à cannabis ao diretor médico para uma avaliação, mas os dirigentes da liga não realizam testes para verificar exposição anterior à planta.
Os atletas da MLB (liga principal de beisebol dos EUA) também não são mais penalizados pelo consumo de maconha desde que a organização assinou um acordo com o sindicato dos jogadores no final de 2019. A liga passou a tratar o uso de cannabis da mesma forma que o consumo de álcool, e os jogadores são encaminhados para uma avaliação médica para tratamento se aparecerem nos jogos sob influência da planta.
Em junho, a Associação Nacional de Atletismo Universitário (NCAA) dos EUA anunciou que não testará mais atletas da Divisão I para maconha. A mudança acontece após a organização chegar ao consenso de que a cannabis não é uma droga que melhora o desempenho. Os canabinoides foram totalmente removidos da lista de substâncias proibidas em campeonatos estudantis e participação pós-temporada no futebol.
O UFC (Ultimate Fighting Championship), maior torneio de artes marciais mistas do mundo, anunciou em dezembro que removeu a maconha de sua lista de substâncias proibidas. Os atletas do UFC já não eram punidos por testes positivos para cannabis desde 2021, contudo a planta permanecia na lista e a punição poderia ocorrer se evidências adicionais demonstrassem que a substância foi usada pra melhora de performance.
#PraTodoVerem: fotografia de capa mostra Julien Alfred (Santa Lúcia) e Sha’carri Richardson (EUA) na semifinal dos 100 metros feminino durante os Jogos Olímpicos de Paris, em 3 de agosto de 2024. Imagem: Kirby Lee / USA Today Sports.