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Ex-premiê português fala sobre descriminalização das drogas em seminário no Brasil

“Passamos a combater a doença em vez de combater o doente”, disse José Sócrates, que assinou a resolução para descriminalizar os usuários em Portugal

Diante do fracasso das políticas de segurança pública na maior parte da América Latina e o crescente avanço das organizações criminosas, financiadas principalmente pela proibição das drogas, aconteceu em Brasília o Seminário Internacional sobre Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia. O evento, que teve início nesta quinta-feira (6), foi organizado pelo Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) e pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

Durante dois dias, acadêmicos e autoridades do Brasil e do exterior promoveram uma ampla discussão sobre o papel da segurança pública no continente. Um dos participantes foi o ex-primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, que falou sobre a “Lei das Drogas” portuguesa, a resolução do Conselho de Ministros de 26 de maio de 1999, que assinou enquanto ministro adjunto do primeiro-ministro e que ainda hoje é considerada revolucionária.

“A lei foi revolucionária porque desentupiu os tribunais, desenvolveu o sistema de saúde e passou a tratar, sem preconceito, o problema da toxicodependência”, disse Sócrates ao Diário de Notícias, após o seminário. “Entretanto, esta lei seria muito mais difícil de aprovar hoje porque, em todo o mundo, o ideal progressista de fazer reformas, de aumentar a liberdade individual, de que podemos ir mais além, está em recuo”, ressaltou.

O texto de quase 60 páginas da resolução do Conselho de Ministros nº 46/99, que aprova a estratégia nacional de luta contra a droga, correu o mundo e foi considerado um sucesso até pelo conservador Instituto Cato, dos Estados Unidos, e pela Câmara dos Lordes do Reino Unido. A política, que incluía a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, resultou ainda na diminuição do número de dependentes e do índice de patologias relacionadas ao uso de substâncias, como as doenças sexualmente transmissíveis e as mortes por overdose.

No seminário, Sócrates explicou que “a partir daqui o consumo de droga passou a não ser crime mas não passou a ser legal, ou seja, passou a ilícito, como as infrações de trânsito, por exemplo”.

A descriminalização gerou um efeito imediato de “retirar o consumidor de droga do contato com juízes, procuradores, polícias, ou seja, aquilo que entupia os nossos tribunais, que passaram apenas a cuidar de processos sobre tráfico de droga”, continuou o ex-premiê, segundo o DN.

“A lei de luta contra a droga muda o paradigma porque passa a considerar o consumidor de drogas um doente e não um criminoso, determina que o consumidor de drogas precisa de ajuda e não de violência estatal”, afirmou Sócrates. “Dessa forma, passamos a combater a doença em vez de combater o doente, e, por isso, pela primeira vez, muitos toxicodependentes passaram a ir a serviços de saúde públicos porque já não sentiam o estigma anterior, em vez disso, sentiam que o estado estendia uma mão.”

Segundo Sócrates, Portugal passou do paradigma de que deveria existir uma sociedade livre de drogas para outro, “menos ambicioso mas mais realista”, de tentar reduzir os danos que elas provocam na sociedade. “Nessa perspectiva criamos programas como as trocas de seringa, a introdução de programas de metadona, as salas de ‘chuto’ [salas de consumo assistido], ou seja, tratamos do tema sem nenhum preconceito”, comentou.

Ele ainda recordou das críticas que a política recebeu na época, que partiram sobretudo do CDS (Centro Democrático Social), o partido mais à direita do parlamento português naqueles dias. “Argumentaram que a lei iria estimular o consumo e que Portugal se tornaria um destino turístico de droga, ora, 25 anos depois, o que tenho a dizer é que isso é tudo uma balela como os números provam”.

Também participaram do seminário Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, o general Tomás Paiva, comandante do exército, Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União, Guilherme Boulos, deputado federal e candidato a prefeito de São Paulo pelo PSOL, e Bill de Blasio, ex-prefeito de Nova York, que falou sobre a legalização da maconha em NY.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o ministro da Controladoria-Geral da União, Vinícius de Carvalho, o advogado-geral da União, Jorge Messias, e o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Sílvio de Almeida, além dos governadores de Goiás, Ronaldo Caiado (União), do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), e do Acre, Gladson Cameli (PP) — que é réu em ação que apura formação de organização criminosa, lavagem de dinheiro e fraude à licitação —, também estiveram presentes no evento.

Sílvio de Almeida abordou a exclusão social e econômica em seu discurso, apontando para o atual “tempo de escassez” vivido principalmente no ocidente. “Esse tempo se instaura dentro de toda a construção de uma subjetividade neoliberal, individualista, avessa a qualquer espírito de comunidade que repele a empatia”, observou o ministro, segundo nota do MDH.

De acordo com Almeida, essa construção social normaliza a visão de que uma parte da sociedade deve ser protegida enquanto a outra deve ser “vigiada, abordada, humilhada, presa e morta” por parte das forças de segurança — ou seja, as pessoas em situação de rua e privadas de liberdade acabam sendo invisibilizadas pelo senso comum, o que contribui para que as desigualdades, o racismo e todas as formas de discriminação progridam.

O ministro ressaltou que o Estado deve se orientar pela defesa da população e dos direitos humanos, e não de interesses econômicos que desvirtuam o uso da força por parte de agentes de segurança pública.

“O uso da força também terá que ser uma alternativa contra quem pretende desorganizar a sociedade ou atentar contra a soberania nacional ou dar golpe de Estado. A segurança pública é um direito humano e deve ser tratada com seriedade, longe das manipulações que querem fazer da segurança pública o exercício indiscriminado da violência e para justificar o armamentismo, que é fonte de lucro para muitos dos seus defensores”, advertiu.

Imagem de capa: António Pedro Santos / Lusa.

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