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Foto do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli. Imagem: STF | Nelson Jr.

Dias Toffoli vota contra a descriminalização do usuário de maconha

Para o ministro, o porte de drogas para uso pessoal já é descriminalizado, uma vez que não há previsão de pena de prisão

Durante sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) realizada nesta quinta-feira (20), em continuidade ao julgamento sobre o porte de drogas para consumo pessoal, o ministro Dias Toffoli votou pela constitucionalidade da criminalização do usuário. O magistrado, que havia interrompido o processo para vista, sugeriu que a quantidade para diferenciação entre porte para uso e tráfico de maconha seja definida pelo Congresso Nacional.

“A mim não me incomoda o fato de estarmos deliberando sobre algo na medida em que há um clamor da sociedade e um comando constitucional”, afirmou Toffoli no início de seu discurso. “A voz da sociedade aqui se faz presente. Não há que se falar que aqui não há legitimidade popular”

A afirmação rebate os ataques proferidos por alguns senadores e deputados, que acusam a Suprema Corte de estar invadindo a competência do Congresso e legislando sobre o tema das drogas, ao conduzir o julgamento. Esses legisladores afirmam que os ministros do STF não foram eleitos pela população, mas Toffoli lembra que os magistrados foram indicados por presidentes de vários espectros políticos e aprovados pelo Senado.

“A discussão sobre o reconhecimento do caráter ilícito do porte de drogas, ainda que para consumo próprio, é uma competência, sim, de uma corte constitucional”, destacou Toffoli.

Segundo o ministro, as questões chegam até o STF por que os outros órgãos de deliberação não funcionam. “Gerir é ter coragem e competência — e um pouco de sorte”, ponderou, apontando para a ausência do Estado em áreas como a regulamentação do uso medicinal da maconha.

“Estou convicto que tratar o usuário como um tóxico-delinquente não é a melhor politica pública de um estado social-democrático de direito”, admitiu Toffoli.

Para o magistrado, no entanto, a proposta de se utilizar a quantidade de drogas como critério para diferenciar o traficante do usuário “não soluciona o problema da subjetividade”.

Apesar de considerar constitucional o artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006), que criminaliza o usuário de drogas, por entender que a ausência de penas de reclusão remove o caráter de crime da norma, Toffoli teceu críticas à política de repressão adotada pelo Brasil de forma geral.

O ministro apontou para o fracasso da política de drogas brasileira, que resultou no aumento da violência e na superlotação dos presídios, sem reduzir o consumo.

“A adoção de políticas repressivas baseou-se mais em argumentos moralistas do que em evidências científicas sólidas, considerando não apenas os danos causados pelas drogas, mas também as pessoas que as utilizavam”, argumentou.

Ele ainda aponta para a discriminação racial promovida pela política proibicionista. “A criminalização da maconha, conhecida como ‘Fumo de Angola’, estava diretamente ligada aos escravos africanos, e consolidou-se após a abolição da escravatura com o Código Penal de 1890, que criminalizava práticas culturais negras, não só do fumo de angola, como a capoeira, como o candomblé e, vejam, senhoras e senhores, o samba”, lembrou o magistrado.

“A proibição das drogas foi motivada por uma combinação de preocupações de saúde pública, mas também com impulsos moralistas e racistas”, denunciou Toffoli.

Em sua análise da lei de drogas, no entanto, Toffoli entende que a legislação, “e especificamente o artigo 28, foi editada com o objetivo de educar os usuários de drogas, tratar os dependentes e punir severamente, por outro lado, os traficantes”.

“A controvérsia em debate envolve mais a elucidação e classificação de institutos e conceitos legais e proposições de políticas públicas do que propriamente a compatibilidade do dispositivo legal com a Constituição”, argumentou o ministro, admitindo que classificar o usuário ou o dependente de drogas ilícitas como criminoso “contraria o propósito da lei”.

Toffoli negou provimento ao Recurso Extraordinário 635659 se baseando no entendimento de que o artigo 28 da lei de drogas “descriminalizou a conduta nele prevista”. “Portanto, não é de se falar em uma declaração de inconstitucionalidade da norma. A norma é constitucional. O sentido dela foi a descriminalização, não só a despenalização”, justificou.

O magistrado reconheceu, no entanto, que a lei falhou no suposto objetivo de retirar o caráter criminal da conduta de portar drogas ilícitas. “Não há dúvida de que é necessário um critério mais objetivo [para diferenciar usuário de traficante]. A lei não foi suficiente por si só para estabelecer aquilo que ela objetivava fazer, que era descriminalizar o usuário”, frisou.

Em seu parecer, Toffoli sugere que a solução para esse problema deve partir de políticas públicas elaboradas pelo Poder Legislativo, que devem incluir a oferta de tratamento para “dependentes químicos”, e de uma regulamentação por parte da Anvisa que estabeleça a quantidade de maconha que diferencie o consumidor do traficante.

“Entendo, da mesma forma que o ministro Luiz Edson Fachin, que cabe ao Congresso Nacional, em conjunto com o Poder Executivo e os órgãos competentes, definir a quantidade de maconha que represente o consumo médio do usuário brasileiro de cannabis”, afirmou.

Dessa forma, o placar do julgamento no STF vai para 5 a 4 pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, sendo que todos os ministros que votaram até o momento deram parecer favorável à fixação de uma quantidade-limite para a diferenciação entre usuário e traficante.

Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber sugeriram o parâmetro de 60 gramas de cannabis ou seis plantas fêmeas para a caracterização da posse para consumo pessoal. Edson Fachin, como mencionou Toffoli, propôs que o Congresso defina uma quantidade para o enquadramento como usuário.

Os ministros Cristiano Zanin e Nunes Marques votaram pela constitucionalidade da criminalização dos usuários de drogas e sugeriram o parâmetro de 25 gramas ou seis plantas para caracterizar o porte de maconha para uso pessoal. André Mendonça, que também votou contra a ação, sugeriu a quantidade de 10 gramas de cannabis para a distinção entre traficante e usuário.

Iniciado há quase nove anos, o julgamento no STF analisa uma ação apresentada em 2011 pela Defensoria Pública de São Paulo, que pede a inconstitucionalidade da criminalização do usuário de drogas por ofender as garantias da inviolabilidade da vida privada e da intimidade. O RE 635.659 foi apresentado contra uma decisão da Justiça de São Paulo, que manteve a condenação de um homem flagrado com 3 gramas de maconha dentro do centro de detenção provisória.

Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, tramita a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2023, que prevê inserir na Carta Magna a criminalização da posse ou porte de qualquer quantidade de droga ou entorpecente “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Aprovada recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da casa legislativa, a proposta é uma resposta política ao julgamento no STF.

Fotografia de capa: STF | Nelson Jr.

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Desde 2011, a Smoke Buddies se dedica a produzir e compartilhar notícias relevantes sobre políticas sobre drogas e maconha, no Brasil e no mundo, e informar pessoas interessadas no tema.

Respostas de 2

  1. Realmente no dia 20/06, ficou confuso a posição dele, mas no dia 25/06 ele foi bem claro que é a favor da descriminalização de qualquer quantidade de maconha para uso pessoal.

    1. O Toffoli reiterou que é contra a criminalização do usuário de qualquer droga e confirmou que votou contra o recurso extraordinário, ele declarou que considera constitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, que criminaliza o porte de drogas para uso pessoal.

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