Uso de maconha está associado a doenças cardíacas, segundo estudos

O uso diário de cannabis aumentou o risco de desenvolver insuficiência cardíaca em cerca de um terço, de acordo com uma das pesquisas; autores ressaltam que mais dados são necessários para compreender melhor o risco do uso da planta
O consumo de maconha está se tornando cada vez mais popular nos Estados Unidos à medida que mais estados americanos legalizam a planta para uso medicinal e adulto.
Mas, como em qualquer outra substância, o uso da cannabis não está isento de riscos.
Isso é o que sugere dois novos estudos apresentados na conferência Sessões Científicas de 2023 da Associação Americana do Coração, na Filadélfia (EUA), segundo os quais o uso regular de maconha pode aumentar o risco de doenças cardíacas e eventos cerebrovasculares.
Leia também: Usuários de maconha tiveram melhores resultados na Covid-19, segundo novo estudo
Um dos estudos acompanhou cerca de 157 mil pessoas, que não apresentavam insuficiência cardíaca no momento em que se inscreveram no programa de pesquisa, durante 45 meses. No início do estudo, todos os participantes responderam um questionário sobre o uso de maconha, que foi definido como “qualquer uso não prescrito ou, se prescrito, uso além das doses prescritas”.
A análise descobriu que as pessoas que usavam cannabis diariamente tinham um risco 34% maior de desenvolver insuficiência cardíaca, quando comparadas com aquelas que disseram nunca ter usado maconha — durante o estudo, 2.958 indivíduos (quase 2%) desenvolveram insuficiência cardíaca. O risco foi o mesmo independentemente da idade, sexo ou histórico de tabagismo.
Em uma análise secundária, quando o diagnóstico de doença arterial coronariana foi adicionado à investigação, o risco de insuficiência cardíaca caiu de 34% para 27%, o que, segundo os pesquisadores, sugere que “a doença arterial coronariana é uma via através da qual o consumo diário de maconha pode levar à insuficiência cardíaca”.
A idade média dos participantes do estudo foi de 54 anos e 61% eram do sexo feminino.
“Pesquisas anteriores mostram ligações entre o uso de maconha e doenças cardiovasculares, como doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca e fibrilação atrial, que é conhecida por causar insuficiência cardíaca”, disse o principal autor do estudo, Yakubu Bene-Alhasan, mestre em saúde pública e médico residente da Medstar Health em Baltimore, em um comunicado à imprensa.
Os pesquisadores apontaram para a limitação do estudo de se basear em dados que não especificavam se a cannabis foi inalada ou ingerida na forma de comestíveis, destacando que “a forma como a maconha é ingerida pode influenciar os resultados cardiovasculares”.
Leia: Atendimentos de emergência relacionados à cannabis aumentam entre idosos na Califórnia
A segunda pesquisa analisou dados da Banco Nacional de Amostras de Pacientes Internados (NIS) de 2019, uma base de dados do governo estadunidense focada em informações de internação hospitalar. Os autores extraíram registros de adultos com mais de 65 anos com fatores de risco cardiovascular e que não relataram uso de tabaco. Esses prontuários foram divididos em dois grupos: usuários e não usuários de cannabis.
O comunicado destaca que os registros hospitalares dos usuários de maconha foram codificados para transtorno por uso de cannabis (TUC), um diagnóstico que pode variar de hospital para hospital.
O estudo constatou que, dos 28.535 usuários de cannabis, 20% tiveram uma chance maior de sofrer “eventos cardíacos e cerebrovasculares adversos maiores” enquanto estavam hospitalizados, em comparação com o outro grupo.
Além disso, os consumidores de maconha tiveram uma taxa mais elevada de disritmia cardíaca em comparação com a coorte sem TUC (34,9% vs. 24,9) e eram mais propensos a serem transferidos para outras instalações (28,9% vs. 19%).
“Desde 2015, o uso de cannabis nos EUA quase dobrou e está aumentando em adultos mais velhos, portanto, é importante compreender o potencial aumento do risco cardiovascular causado pelo uso de cannabis”, disse Avilash Mondal, principal autor do estudo e médico residente do Nazareth Hospital na Filadélfia. “O que é único no nosso estudo é que os pacientes que consumiam tabaco foram excluídos porque a cannabis e o tabaco são por vezes consumidos em conjunto, portanto, pudemos examinar especificamente o consumo de cannabis e os resultados cardiovasculares”.
Os autores ressaltaram que a pressão arterial elevada (definida como superior a 130/80 mmHg) e o colesterol elevado foram preditores de “eventos cardíacos e cerebrais adversos maiores” em usuários de maconha.
“Devemos estar atentos aos principais eventos cardíacos e derrames em idosos com transtorno por uso de cannabis. Neste ponto, precisamos de mais estudos para compreender os efeitos a longo prazo do consumo de cannabis”, acrescentou Mondal.
Leia mais: Consumidores de maconha podem ser candidatos a transplantes de coração
Um estudo separado, apresentado no mês passado na conferência do Colégio Americano de Médicos do Tórax, por sua vez, analisou dados de mais de 322 mil pacientes que foram internados com diagnóstico de COVID-19 e descobriu que os consumidores de maconha que contraíram a doença tiveram melhores resultados de saúde, incluindo menores taxas de parada cardíaca, em comparação com os não usuários de cannabis.
“Os fumantes de maconha tiveram melhores resultados e mortalidade em comparação com os não usuários”, diz o artigo, sugerindo que o efeito benéfico do uso da cannabis “pode ser atribuído ao seu potencial de inibir a entrada viral nas células e prevenir a liberação de citocinas pró-inflamatórias”.
Outro estudo, conduzido por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego, revelou que os atendimentos em departamentos de emergência de californianos com mais de 65 anos por questões relacionadas à maconha passaram de um total de 366 em 2005 para 12.167 em 2019.
Segundo os autores, o uso de cannabis entre adultos mais velhos “pode levar a consequências não intencionais que requerem atendimento de emergência por vários motivos”. O estudo destaca que a educação e as discussões com idosos sobre o uso de maconha devem fazer parte dos cuidados médicos de rotina.
Descobertas anteriores da UC San Diego, publicadas em 2020, revelaram que os adultos mais velhos usam cannabis principalmente para fins médicos para tratar uma variedade de condições, incluindo dor, distúrbios do sono e condições psiquiátricas, como ansiedade e depressão.
O uso de cannabis com acompanhamento médico pode, na verdade, beneficiar os pacientes portadores de doenças cardíacas. Segundo a médica Amanda Medeiros, certificada internacionalmente em medicina canabinoide, os produtos full spectrum, que contêm todos os canabinoides, principalmente o THC, “podem ajudar a reduzir a pressão arterial sistêmica, melhorando assim o fluxo sanguíneo para o cérebro e o miocárdio”.
Um estudo conduzido por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Nottingham observou que “os canabinoides afetam os vasos sanguíneos, causando relaxamento e ampliando-os”. O relaxamento dos vasos sanguíneos resulta em menor pressão sanguínea e melhor circulação, prevenindo doenças e ataques cardíacos.
Dito isso, um estudo publicado em 2018 na American Journal of Cardiology demonstrou que o uso de maconha pode trazer benefícios para as pessoas que têm insuficiência cardíaca, visto que os pacientes consumidores de cannabis analisados tinham menor probabilidade de ter fibrilação atrial em comparação com os não usuários.
Leia também:
A maconha é tão eficaz quanto os opioides no tratamento da neuropatia, sugere estudo
Imagem em destaque: Elsa Olofsson | Pixabay.

- Ozzy diz que tabaco é a coisa mais viciante que já usou e defende a legalização da maconha - 8 de dezembro de 2023
- Japão legaliza medicamentos de cannabis e endurece proibição do uso adulto - 8 de dezembro de 2023
- Minnesota (EUA) adiciona vaporização de flores ao programa de cannabis medicinal - 3 de dezembro de 2023
- Estudo revela como o uso de maconha e álcool influencia na qualidade do sono de pessoas ansiosas - 2 de dezembro de 2023
- Tico Santa Cruz revela uso de óleo de cannabis para tratar insônia e ansiedade - 1 de dezembro de 2023
- Em Foz do Iguaçu, paciente é detida pela guarda municipal por estar portando planta de cannabis - 1 de dezembro de 2023