Tabagistas devem ser incentivados a usar cigarros eletrônicos, dizem pesquisadores

Foto mostra parte do rosto e mão de uma pessoa que segura um vaporizador próximo à boca, enquanto expele vapor. Imagem: master1305 / Freepik.

Novo estudo do King’s College London sugere que fumantes devem ser incentivados a usar vaporizadores de nicotina para reduzir os danos do tabagismo ou como terapia para parar de fumar — especialistas endossam que vapes são vinte vezes menos prejudiciais à saúde do que o cigarro combustível

Uma revisão sistemática da literatura sobre os efeitos do uso de vapes (cigarros eletrônicos) na saúde e as evidências mais recentes sobre prevalência e características do vaping em jovens e adultos na Inglaterra mostra que a regulamentação dos vaporizadores tem alcançado seus objetivos.

Em relatório encomendado pelo Departamento de Saúde Pública da Inglaterra, uma equipe de pesquisadores do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King’s College London demonstra como os dispositivos alternativos de entrega de nicotina, como cigarros eletrônicos, podem desempenhar um papel vital na redução da enorme carga de saúde causada pelo tabagismo.

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Com base nas evidências revisadas, os pesquisadores acreditam que sua estimativa de que vaporizar nicotina é pelo menos 95% menos prejudicial à saúde do que fumar “permanece amplamente precisa”. A descoberta foi resultado de uma pesquisa realizada em 2015, quando a equipe emitiu seu primeiro relatório sobre os riscos e benefícios dos vapes em termos de redução de danos do cigarro.

Os autores chegaram a essa estimativa considerando que os constituintes da fumaça do cigarro que prejudicam a saúde, incluindo carcinógenos, estão ausentes no vapor do cigarro eletrônico ou, se presentes, estão principalmente em níveis muito abaixo de 5% das doses do fumo, e que os principais produtos químicos presentes apenas nos vaporizadores não foram associados a qualquer risco grave.

“Essa magnitude de risco relativo entre vaporizar e fumar não se reflete nas percepções públicas atuais que, como nossa revisão mostrou, podem ser influenciadas por intervenções”, escreveram os pesquisadores no relatório.

Uma revisão sistemática das percepções de danos do vaping descobriu que as intervenções que comunicam informações sobre os danos absolutos do vape (vaporizar em comparação com o não uso de produtos de tabaco ou nicotina) geralmente aumentam a percepção errônea de que os vaporizadores são iguais ou mais prejudiciais do que o cigarro.

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A revisão também constatou que a percepção do vaping como menos prejudicial do que fumar previu aumentos subsequentes no uso de vape entre jovens e adultos jovens, mas também entre adultos e fumantes adultos. Enquanto a percepção do vaping como prejudicial foi associada a não iniciar o uso de vapes entre jovens e adultos jovens.

“No entanto, as evidências limitadas sugerem que perceber o vaping como tão ou mais prejudicial do que fumar prediz a recaída subsequente ao tabagismo entre ex-fumantes adultos”, escreveram os autores. “Além disso, perceber o vaping como menos prejudicial do que fumar predisse parar de fumar.”

O estudo também revelou que fornecer informações destinadas a aumentar as percepções relativas precisas do vaping em comparação com o tabagismo “pode levar os fumantes adultos a tentar o uso de vapes, reduzir o risco de recaída ao tabagismo entre ex-fumantes adultos que vaporizam, mas também pode levar os jovens a experimentar o vaping”.

A pesquisa Action on Smoking and Health-Youth (ASH-Y), com dados coletados de fevereiro a março de 2022, mostra que 8,6% dos jovens pesquisados fazem uso de vaporizadores (em comparação 4% em 2021) e que a maioria dos jovens que nunca fumou também não estava atualmente vaporizando (98,3%) — ou seja, não houve um aumento no uso de nicotina ou vapes sem nicotina entre jovens, mas sim uma mudança do uso fumado para o uso vaporizado.

Dados da pesquisa ASH-Y coletados entre março e abril de 2021 mostram que cerca de um terço (34,2%) dos jovens de 11 a 18 anos que atualmente vaporizavam ou já tinham vaporizado no passado relataram sempre usar produtos vaping que continham nicotina e 20,4% relataram sempre usar produtos sem nicotina.

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Um outro estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade College London, mostra que a prevalência do uso de vaporizadores entre a população jovem na Inglaterra não parece estar associada a aumentos ou diminuições substanciais na prevalência do tabagismo.

“Dada a proporção substancial de jovens e adultos fumantes e vapers na Inglaterra que ainda têm percepções imprecisas dos danos relativos do vaping em comparação com o tabagismo (que a vaporização é tão ou mais prejudicial do que fumar), essas percepções errôneas precisam ser abordadas”, advertiram os pesquisadores do King’s College London, ressaltando que as intervenções sobre os danos absolutos do uso de vapes precisam ser cuidadosamente projetadas para não desinformar os jovens, especialmente os fumantes, sobre os danos relativos do tabagismo e do vaping.

Ao mesmo tempo, os pesquisadores não encontraram nenhum estudo entre jovens ou adultos jovens avaliando se as percepções de danos da vaporização previam a mudança subsequente de fumar para vaporizar, ou o contrário. “Assim, são necessários estudos que abordem a substituição do tabagismo por vaping em jovens, adultos jovens e adultos”.

Os pesquisadores também destacam a importância de uma comunicação eficaz sobre os danos absolutos e relativos do uso de cigarros eletrônicos e do tabagismo. “Do ponto de vista ético, o principal objetivo dessas comunicações deve ser garantir que as mensagens forneçam informações precisas sobre os danos absolutos do vaping e os danos relativos do vaping em comparação com o tabagismo, para abordar os equívocos predominantes”, escreveram.

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O relatório aponta para evidências de serviços para parar de fumar e da revisão da Cochrane mostrando que o uso de vapes é eficaz para parar de fumar. “Essas descobertas, juntamente com nossas descobertas de que o vaping carrega uma pequena fração dos riscos à saúde do tabagismo, sugerem que os fumantes devem ser incentivados a usar produtos vaping para parar de fumar ou como dispositivos alternativos de entrega de nicotina para reduzir os malefícios à saúde do tabagismo”, destacaram os autores.

No entanto, apesar de a vaporização de nicotina ser vinte vezes menos prejudicial à saúde do que o tabagismo, segundo a estimativa confirmada pelo relatório, as descobertas da revisão de uma maior exposição absoluta a substâncias do vaping, em comparação com o não uso de produtos de nicotina, reforçam a necessidade de desencorajar as pessoas que nunca fumaram a usar vapes.

As percepções públicas de danos absolutos e relativos do vaping não estão de acordo com as evidências e nossas descobertas indicam que essas percepções influenciam os comportamentos subsequentes de uso de vape e tabagismo. Também descobrimos que as intervenções podem influenciar as percepções. Portanto, entender e mudar percepções equivocadas é muito importante”, concluíram os autores.

O estudo sobre as implicações para a saúde pública do uso de vaporizadores e a formulação de políticas públicas baseadas em evidências são possíveis graças à regulamentação dos vapes.

Enquanto, no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu manter a proibição do comércio de cigarros eletrônicos, expondo menores de idade ao mercado ilícito e impedindo que tabagistas tenham acesso legal a uma opção eficaz de terapia para parar de fumar, e a grande mídia faz uma campanha de demonização dos vapes — da mesma forma como faz com a cannabis. Na Inglaterra, as autoridades de saúde consideram os vaporizadores de nicotina como parte de sua estratégia para tornar o país livre do tabagismo.

Um green paper do governo britânico para promoção da saúde de 2019 delineou uma nova ambição para a Inglaterra ser “livre do tabaco” até 2030 — o que significa reduzir para menos de 5% a prevalência do tabagismo. O documento incluiu um “ultimato para a indústria tornar o tabaco fumável obsoleto até 2030, com os fumantes parando ou mudando para produtos de risco reduzido, como cigarro eletrônicos”.

O Escritório para Melhoria e Disparidades da Saúde, órgão ligado ao Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido, publicou em março uma revisão pós-implementação dos Regulamentos de Tabaco e Produtos Relacionados, sob os quais estão regulamentados os vaporizadores de nicotina. Essa revisão concluiu que as evidências indicavam que os principais objetivos dos regulamentos, implementados em 2016, estavam sendo atendidos e forneceu um forte argumento para a manutenção dos regulamentos.

Em novembro de 2021, o Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados do Reino Unido publicou uma nova diretriz abrangente sobre o tabaco que inclui orientações sobre discutir produtos vaping com os pacientes para ajudar a prevenir ou interromper o uso do tabaco.

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#PraTodosVerem: foto mostra parte do rosto e mão de uma pessoa que segura um vaporizador próximo à boca, enquanto expele vapor. Imagem: master1305 / Freepik.

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