Estudo analisou mais de 10 mil pesquisas e identificou que canabinoides como THC, CBD e CBG apresentam potencial terapêutico e até anticancerígeno, com 3 vezes mais evidências positivas do que negativas
Uma nova era pode estar se abrindo para a cannabis medicinal no tratamento oncológico. Um estudo publicado esta semana na revista Frontiers in Oncology revelou o que seus autores consideram a maior meta-análise já realizada sobre os efeitos da cannabis em pacientes com câncer. O trabalho examinou nada menos que 10.641 estudos revisados por pares, número mais de dez vezes superior à segunda maior revisão sobre o tema.
Leia também: Descoberto canabinoide com ação contra tumor infantil
O resultado surpreendeu até os próprios autores. “Esperávamos controvérsia. O que encontramos foi um consenso científico avassalador”, declarou Ryan Castle, chefe de pesquisa do Whole Health Oncology Institute, no Havaí. Segundo ele, essa é “uma das validações mais claras da cannabis medicinal no tratamento do câncer que a comunidade científica já viu”.
A análise revelou que, para cada estudo que apontava ineficácia da cannabis, três outros mostravam sua eficácia terapêutica. Em um campo tão rigoroso quanto a pesquisa biomédica, essa proporção é considerada extraordinária. “O nível de consenso encontrado aqui rivaliza ou excede o de muitos medicamentos já aprovados pela FDA (agência reguladora dos EUA)”, afirmou o instituto.
Benefícios diversos e ação anticâncer
Além do alívio de sintomas clássicos — como dor, náusea, perda de apetite e distúrbios do sono — a meta-análise apontou efeitos diretos da cannabis sobre células tumorais, como a redução da proliferação celular, inibição de metástases e até indução da morte celular programada (apoptose).
Outro destaque é o potente efeito anti-inflamatório da cannabis, fundamental em oncologia, já que a inflamação está presente em mais de 80% das condições crônicas graves, inclusive em processos tumorais.
A pesquisa utilizou ainda técnicas de análise de sentimento para avaliar o tom das publicações científicas e revelou que o apoio à cannabis medicinal foi 31 vezes mais forte que a oposição, mesmo levando em conta eventuais ambiguidades textuais.
Impacto legal e futuro da regulação
Diante da robustez dos dados, os pesquisadores sugerem que a classificação da cannabis como substância de Tabela I (sem uso médico reconhecido) precisa ser revista com urgência. “A consistência dos achados indica uma base científica sólida para reavaliar o status legal da cannabis e integrá-la de forma mais efetiva à prática clínica”, afirma o artigo.
A conclusão reforça o que já vem sendo apontado por outros centros de pesquisa ao redor do mundo. Um estudo recente realizado em Minnesota também revelou melhorias significativas na qualidade de vida de pacientes com câncer que utilizaram cannabis medicinal. Contudo, alertou para a barreira de acesso gerada pelo alto custo do tratamento, o que pode excluir pacientes com menor estabilidade financeira.
Canabinoides promissores: além do THC e CBD
A meta-análise também dá destaque ao potencial de outros canabinoides menos explorados, como o canabigerol (CBG), que apresentou propriedades anticancerígenas em modelos celulares. Publicações recentes, como as da Discover Oncology, também reforçam o papel de múltiplos compostos da planta na limitação do crescimento tumoral.
Evidências adicionais, como as da série publicada pela JNCI Monographs e financiada pelo governo dos EUA, mostram que cerca de 1 em cada 3 pacientes oncológicos nos EUA já utiliza produtos de cannabis, mesmo com a persistente falta de consenso regulatório federal.
Oposição política e obstáculos à ciência
Apesar dos avanços, o tema continua politicamente sensível. Um memorando interno do Instituto Nacional do Câncer dos EUA, vazado no ano passado, revelou que “maconha” foi incluída em uma lista de tópicos “controversos”, exigindo aprovação prévia de altos escalões do governo antes de qualquer publicação científica oficial — uma medida que pode frear o progresso da pesquisa e alimentar estigmas desatualizados.
Conclusão
A nova meta-análise publicada na Frontiers in Oncology representa um marco no debate sobre a cannabis medicinal. Com evidências quantitativas e qualitativas que demonstram benefícios reais no tratamento do câncer, o estudo não apenas reforça a necessidade de mais pesquisas clínicas, mas também pressiona sistemas regulatórios a alinharem suas políticas à ciência.
Enquanto isso, cresce a expectativa de que governos, profissionais de saúde e agências sanitárias levem em conta esse “consenso esmagador” não apenas como um sinal verde para novos estudos, mas como um chamado urgente para transformar o acesso à cannabis medicinal em uma realidade concreta para quem mais precisa.
Foto: jcomp | freepik