Julgamento sobre a maconha é para “enfrentar política de drogas desastrosa”, diz Barroso

Luís Roberto Barroso. Foto: Nelson Júnior / STF.

Para o presidente do STF, há desinformação em dizer que a Corte pretende legalizar as drogas, uma vez que o julgamento busca na verdade estabelecer uma quantidade de cannabis para distinguir o usuário do traficante

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, afirmou que o julgamento que pode declarar inconstitucional a criminalização do usuário de maconha pretende “enfrentar a política de drogas desastrosa” que se pratica no Brasil.

A declaração foi feita em um seminário realizado pelo jornal Estadão, nesta segunda-feira (13), em São Paulo. O ministro foi convidado para falar sobre o papel das Supremas Cortes nas democracias.

“Há desinformação em dizer que o Supremo quer legalizar drogas”, disse Barroso, se referindo ao julgamento do STF que analisa a constitucionalidade do artigo da Lei de Drogas (11.343/2006) que criminaliza o porte de substâncias para uso pessoal.

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O ministro explicou que o julgamento da Suprema Corte tem o objetivo de estabelecer um critério objetivo para diferenciação entre o usuário e o traficante.

“Quem despenalizou o porte de drogas para consumo pessoal foi o Congresso Nacional, que aboliu a possibilidade de prisão do usuário, o que fez muito bem. O que o Supremo está fazendo agora é estabelecer qual quantidade distingue o usuário do traficante, porque, se o Judiciário não fizer, quem faz essa distinção é a polícia.”

Segundo Barroso, a forma como é aplicada a Lei de Drogas no país permite uma discricionariedade por parte dos agentes da lei na hora de definir o que é porte para consumo pessoal e o que é tráfico.

“Na Zona Sul do Rio, uma determinada quantidade [de droga] é porte pessoal, e a mesma quantidade no subúrbio é considerado tráfico. E, portanto, é para acabar com esse poder discricionário que o Supremo está discutindo fixar uma determinada quantia, e inclusive enfrentar a política de drogas desastrosa que se pratica no Brasil, que é prender menino pobre de periferia gerando hiperencarceramento, engrossando as fileiras do crime organizado, destruindo vidas e não abalando o tráfico. Política de drogas tem que ser monitorar grandes carregamentos, seguir o dinheiro e policiar a fronteira. Prender menino pobre de periferia não serve para nada”, esclareceu o magistrado.

Embora tenha removido a pena de prisão para o usuário, prevendo punições alternativas, a atual Lei de Drogas não definiu parâmetros objetivos para a diferenciação entre porte para uso e tráfico, deixando a definição a cargo da subjetividade de policiais, promotores e juízes.

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A consequência dessa falta de critérios foi o encarceramento em massa de pessoas acusadas como traficantes, em sua grande maioria jovens negros e pobres. Isso por que a polícia tem poder arbitrário para legitimar a prisão de um indivíduo por tráfico, bastando apenas seu testemunho, que tem fé pública.

O STF retomou o julgamento sobre o tema no dia 24 de agosto, quando a Corte somou 5 votos favoráveis pela inconstitucionalidade da criminalização do porte de cannabis para uso pessoal. Apesar de votar contra a ação, o ministro Cristiano Zanin deu um parecer favorável à fixação de uma quantidade limítrofe para diferenciação entre usuário e traficante de maconha.

Após o voto antecipado da então ministra e presidente do STF Rosa Weber, o julgamento foi novamente interrompido em razão do pedido de vista feito pelo ministro bolsonarista André Mendonça — o processo entrou na pauta do STF em 2015 e, após quase oito anos parado, voltou à agenda da Corte no início de agosto deste ano.

Barroso também criticou as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) promovidas pela ala reacionária do Senado que buscam interferir no funcionamento do STF. Segundo o ministro, essas ações já demonstraram não ter bons resultados em outros países, citando os exemplos da Argentina, Peru, Venezuela, Hungria e Rússia.

Atacar as Supremas Cortes, mudar a forma de indicação de ministros, abreviar a permanência no cargo e interferir com seu funcionamento interno são opções políticas que não têm bons antecedentes democráticos. Tenho procurado chamar a atenção para esses pontos no debate público brasileiro”, afirmou o ministro.

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Ele ainda ressaltou que os exemplos desastrosos vistos em outros países evidenciam como as Supremas Cortes, por si só, “não são capazes de proteger isoladamente a democracia”. “Elas precisam do apoio da sociedade civil, da imprensa e da classe política, senão as Supremas Cortes e as democracias são derrotadas pela ascensão do populismo autoritário”, assinalou o presidente do STF.

“Em um país que há a infeliz progressão do crime organizado, que menos de 50% dos municípios trata do esgoto sanitário, que o sistema tributário tira dos pobres para dar para os ricos, mexer no Supremo não me parece ser um capítulo prioritário das transformações que o Brasil precisa”, concluiu o ministro.

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Foto em destaque: Nelson Júnior / STF.

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