Governo americano se move para implementar a maior mudança na política de drogas do país em décadas
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou nesta quinta-feira que seu governo está dando mais um passo no sentido de reformar a política sobre maconha do país. A proposta de reclassificação da cannabis como uma substância de menor risco foi endossada formalmente pelo democrata, quebrando meses de silêncio da Casa Branca sobre a medida.
De acordo com o Departamento de Justiça dos EUA, o procurador-geral Merrick Garland apresentou um aviso de proposta de regulamentação para transferir a maconha do anexo 1 para o anexo 3 da lei de substâncias controladas. Isso significa que a medida será publicada no Registro Federal (diário oficial) e será aberto um período para comentários públicos de até 60 dias.
“Isto é monumental. Hoje, minha administração deu um passo importante para reclassificar a maconha de uma droga da Lista I para uma droga da Lista 3. É um passo importante para reverter desigualdades de longa data”, disse Biden em um vídeo postado no X.
O anúncio ocorre cerca de duas semanas depois de a Drug Enforcement Administration (órgão responsável pela repressão e controle de narcóticos) anunciar que iria avançar com o processo de reclassificação. Concordando com a recomendação do Departamento de Saúde, a agência enviou uma proposta de reagendamento à Casa Branca, reconhecendo os usos médicos da cannabis.
A proposta, que elimina o último obstáculo para a maior mudança política da DEA em mais de 50 anos desde que a maconha foi listada como uma droga estritamente proibida nos Estados Unidos, ocorre após Biden emitir uma diretiva em outubro de 2022 solicitando uma revisão das leis sobre a planta e anunciar o perdão a milhares de pessoas condenadas por simples porte de cannabis sob a legislação federal. Ele também pediu aos governadores que tomassem medidas para perdoar as condenações estaduais.
“O anúncio de hoje se baseia no trabalho que já realizamos para perdoar um número recorde de crimes federais por simples porte de maconha. E acrescenta-se às medidas que tomamos para eliminar as barreiras à habitação, ao emprego, aos empréstimos às pequenas empresas e muito mais para dezenas de milhares de americanos”, disse Biden no vídeo.
“Ninguém deveria estar preso apenas por usar ou possuir maconha. E ponto final. Muitas vidas foram destruídas por causa da abordagem fracassada à maconha. E estou comprometido em corrigir esses erros. Você tem a minha palavra”, concluiu o presidente estadunidense, repetindo um discurso que vem proferindo desde que anunciou o perdão em massa.
Desde quando foi promulgada a atual lei de drogas americana, em 1971, a maconha é categorizada como uma substância de Classe I — ou seja, o governo federal dos EUA considera a cannabis uma droga sem uso médico aceito e com alto potencial de abuso — ao lado de drogas como heroína, K2 (spice) e catinona.
Se a proposta de reclassificação for aprovada, a maconha passará a ser uma droga de Classe III, sendo categorizada como tendo “potencial moderado a baixo de dependência física e psicológica”, ao lado de substâncias como cetamina, esteroides anabolizantes e testosterona.
“Finalmente estamos mudando isso”, disse a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, em um vídeo publicado nesta quinta-feira em suas redes sociais, destacando que atualmente a cannabis é classificada como sendo mais perigosa do que o fentanil.
“Quero agradecer a todos os defensores e a todos por ajudarem a tornar isso possível. E estamos no caminho certo para conseguir isso”, concluiu Harris.
Embora a reclassificação não remova totalmente a maconha da lei de substâncias controladas, com sua venda não autorizada ainda podendo levar a um processo criminal federal, a mudança de política refletiria em implicações significativas para os pesquisadores estadunidenses que há muito sofrem com barreiras burocráticas ao acesso à planta para estudos científicos.
A indústria também seria beneficiada com a mudança, visto que o código fiscal dos EUA proíbe as empresas envolvidas no comércio de drogas de classe I ou II de fazerem deduções fiscais federais típicas para despesas comerciais. Logo, se a proposta for aprovada, os negócios de cannabis em todo os Estados Unidos terão um grande alívio na carga tributária.
A secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, também elogiou a proposta de reclassificação da maconha, dizendo que o governo está dando “um passo importante”.
“Não será mais válida para a maconha a classificação de nível mais elevado que detêm atualmente as drogas fentanil e metanfetamina, que impulsionam a epidemia de overdose e removerá barreiras onerosas e de longa data a pesquisas críticas”, disse Jean-Pierre durante uma coletiva de imprensa, ressaltando que o anúncio se baseia no trabalho de Biden para promover o perdão em massa.
“A realidade é que, enquanto pessoas brancas, negras e pardas usam maconha em taxas semelhantes, negros e pardos têm sido presos, processados e condenados em taxas desproporcionalmente mais altas. As ações do presidente hoje reforçam o seu compromisso de reverter injustiças de longa data e de corrigir erros históricos”, disse a porta-voz da Casa Branca.
No entanto, assim como o perdão em massa, a reclassificação da cannabis não terá impacto sobre as pessoas que já estão no sistema de justiça criminal. “Simplificando, esta mudança do anexo I para o anexo III não está tirando as pessoas da prisão”, disse David Culver, vice-presidente sênior de assuntos públicos do Conselho de Cannabis dos EUA, à Associated Press.
Mesmo assim, as ações de Biden têm valor estratégico para o movimento de legalização da maconha — uma situação bem diferente da que ocorre atualmente no Brasil, onde o governo não toma nenhum posicionamento diante de uma proposta de constitucionalização da criminalização do usuário que avança no Congresso Nacional.
Dito isso, após a publicação do aviso de reclassificação e o período de consulta pública, o processo de regulamentação federal dos EUA prevê que a proposta seja revisada por um juiz administrativo. O Departamento de Justiça americano, então, reunirá todas as informações para tomar uma decisão final.
Imagem de capa: Casa Branca.