Aliados do presidente devem argumentar que a criminalização afasta os usuários do serviços de saúde e que a proposta afeta principalmente as populações negras e periféricas
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve atuar para frear o avanço da Proposta de Emenda à Constituição que criminaliza o porte de qualquer quantidade de substância ilícita, a PEC das Drogas, segundo informou a Folha de S.Paulo. O intuito é adiar a votação e trabalhar para alterar o texto, que prevê a criminalização até mesmo dos usuários. A matéria está tramitando na Câmara dos Deputados.
Quando a proposta passou pelo Senado, os aliados de Lula evitaram se posicionar. Segundo a Folha, a mudança de atitude foi discutida no Palácio do Planalto e em ministérios. As pastas da Justiça e da Saúde agora tentarão convencer os parlamentares de que não se deve criminalizar os usuários de drogas, partindo da lógica de que o tema deve ser tratado como uma questão de saúde pública.
Os aliados de Lula devem reafirmar o discurso que são contra as drogas e argumentar que a criminalização do usuário acaba afastando-o dos serviços de saúde. Eles também devem propagar a leitura de governistas de que a PEC afetará principalmente as populações negras e periféricas, o que de fato acontece com a aplicação da atual Lei de Drogas.
Dessa forma, o governo vai defender o tratamento do porte de drogas como um ato ilícito passível de sanções administrativas, mas não como crime. Esse discurso está alinhado à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucional a criminalização do usuário de drogas e afastou o caráter penal do dispositivo da lei de drogas que prevê a conduta.
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Além disso, auxiliares do presidente disseram à Folha que há chances de evitar o avanço da PEC, ao menos por ora — a expectativa é que os debates sejam retomados somente após as eleições municipais, em outubro. A leitura é que assuntos sensíveis, como o “PL do Estupro”, geraram desgastes ao Congresso e não devem ser discutidos de forma precipitada.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), oficializou a criação da comissão especial que analisará o mérito da PEC das Drogas no final de junho, em reação ao STF. O deputado publicou a ata horas após a Corte decidir pela descriminalização do porte de maconha para consumo, resultado de um julgamento que durou nove anos.
A comissão da Câmara, no entanto, ainda não foi instalada. E o próprio Lira já sinalizou que não deve acelerar a tramitação da proposta. O colegiado tem um prazo de 40 sessões do plenário para discutir a matéria.
No Senado, ela tramitou de forma acelerada. Apresentada pelo presidente da casa, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em setembro do ano passado, a proposta foi aprovada em abril. Em junho, a PEC recebeu o aval da CCJC (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.
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A PEC das Drogas busca alterar a Constituição Federal para incluir um dispositivo que criminaliza o porte e a posse de qualquer quantidade de droga ilícita, dando respaldo constitucional ao que já é previsto na atual lei de drogas.
A tendência é que a comissão especial na Câmara seja composta por maioria de centro-direita, favorecendo sua aprovação. O colegiado será formado por 68 deputados (34 titulares e 34 suplentes), contudo as indicações dos partidos são proporcionais à representação de cada um deles na casa legislativa.
Se aprovada pela comissão, a PEC seguirá para o plenário da Câmara, onde precisará receber votos favoráveis de três quintos dos deputados (308), em dois turnos de votação, para ser promulgada em emenda constitucional. No entanto, se houver alguma modificação substancial na proposta, ela voltará ao Senado para nova apreciação.
A PEC sobre drogas foi denunciada no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas). A denúncia foi enviada pela ONG Conectas, que alerta para a “escalada legislativa contra os direitos fundamentais no Brasil”, e destaca como a proposta aprofunda os problemas da atual legislação de drogas, que não tem critérios objetivos para a diferenciação entre o porte para uso e o tráfico, o que afeta principalmente a população negra e periférica.
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Imagem de capa: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil.