Estudo aponta benefícios da cannabis para tratamento de doenças neurodegenerativas

As descobertas fornecem insights sobre como os compostos derivados da maconha podem influenciar sistemas neuroquímicos e processos associados a doenças como o Alzheimer

Óleos de cannabis contendo os canabinoides canabidiol (CBD) e tetraidrocanabinol (THC) demonstraram potencial para uso no tratamento de doenças neurodegenerativas, segundo um estudo que analisou os efeitos das substâncias em um modelo animal.

A pesquisa foi realizada pela pesquisadora Ana Paula Vanin junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Ambiental da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus de Erechim, como parte de sua dissertação de mestrado.

O estudo avaliou o potencial protetivo e curativo de diferentes concentrações de THC e CBD no Caenorhabditis elegans, um verme nematoide que possui grande similaridade com os genes e vias de sinalização molecular do corpo humano.

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Os óleos de maconha, principalmente o óleo rico em CBD, foram eficientes em reduzir a atividade da enzima acetilcolinesterase, que está relacionada com algumas funções do nosso sistema nervoso central.

A importância dessa descoberta está no fato de a acetilcolinesterase ser responsável pela degradação de um neurotransmissor que é fundamental para o funcionamento do cérebro humano e cuja redução é uma das principais características do Alzheimer.

“Na doença de Alzheimer, ocorre a deficiência de neurotransmissores que são responsáveis pela transmissão dos estímulos nervosos transmitidos de um neurônio a outro. A acetilcolina é um importante neurotransmissor no cérebro e está diretamente ligada aos processos cognitivos, motores e memória. O Alzheimer gera a degradação dos neurônios, diminuindo essa atuação da acetilcolina, que é degradada pela ação de enzimas. Porém, quando elas são inibidas pelo uso dos óleos à base de cannabis, o neurotransmissor permanece ativo por maior tempo na fenda sináptica, melhorando os sintomas cognitivos, funcionais e comportamentais relacionados à doença”, explicou a autora do estudo em um comunicado.

Segundo a pesquisadora, os resultados são importantes porque fornecem insights sobre como os compostos derivados da cannabis podem influenciar sistemas neuroquímicos e processos associados a doenças neurodegenerativas.

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Os achados demonstram que os óleos de CBD e THC têm potencial para influenciar processos neuroquímicos relevantes para doenças neurodegenerativas, principalmente por terem funções neuroprotetoras, antioxidantes e anti-inflamatórias.

“Ao entender como o CBD e o THC afetam sistemas como o colinérgico e outros processos relacionados ao sistema nervoso central, podemos identificar vias de sinalização molecular específicas e potenciais alvos terapêuticos”, destaca a autora.

A pesquisa contribui para esclarecer os mecanismos subjacentes às melhorias observadas em doenças crônicas ligadas ao sistema nervoso central, uma vez que fornece novas informações sobre como os canabinoides interagem com sistemas neurotransmissores específicos.

Os resultados do estudo também reforçam um grande corpo de evidências sobre o potencial neuroprotetor da maconha para o tratamento do Alzheimer.

Uma revisão da literatura médica, publicada em outubro do ano passado na Phytomedicine, demonstrou que existem “fortes evidências” para o papel das substâncias encontradas na cannabis como potenciais neuroprotetores oportunos para o uso da planta como um novo tratamento para doenças neurodegenerativas.

“O THC e o CBD são os dois principais compostos presentes na planta. Possuem maiores propriedades terapêuticas predominantes, muito utilizadas na produção de óleos medicinais, sendo também os mais utilizados em estudos clínicos para diversas patologias. Nosso cérebro tem mecanismos que se conectam a essas substâncias organicamente. Ele está naturalmente preparado para se ligar com esses canabinoides através dos receptores CB1 e CB2 do sistema endocanabinoide, que regula uma série de processos fisiológicos no corpo humano levando à interação com o metabolismo celular e modulando as funções sinápticas”, explica Ana Paula.

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Uma pesquisa separada da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) revelou que o óleo de cannabis foi capaz de reduzir os sintomas do Alzheimer e reverter boa parte dos danos relacionados à memória em um paciente idoso.

“Aqui fornecemos evidências originais de que a microdosagem de canabinoides pode ser eficaz no tratamento da doença de Alzheimer, ao mesmo tempo que previne os principais efeitos colaterais. Este é um passo importante para dissociar os efeitos de melhoria da saúde dos canabinoides das potenciais limitações relacionadas com os narcóticos”, escreveram os pesquisadores.

Outro estudo, realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), revelou que os canabinoides encontrados na maconha podem ajudar no tratamento de doenças neurodegenerativas, promovendo a proliferação celular, migração e diferenciação de células progenitoras de oligodendrócitos — células responsáveis pela sintetização e manutenção da bainha de mielina (tecido adiposo que envolve os neurônios e protege o sistema nervoso central).

As pesquisas sobre os efeitos medicinais da cannabis avançam apesar dos obstáculos encontrados pelos pesquisadores diante de um cenário proibicionista e uma campanha de desinformação promovida, inclusive, por quem deveria respeitar a ciência e os direitos dos pacientes.

“Estudos como este são primordiais, uma vez que buscam esclarecer os verdadeiros mecanismos pelos quais se observam melhorias fragmentadas ou pequenas em doenças crônicas ligadas ao sistema nervoso central. No entanto, ainda mais importante, é necessário evidenciar com a ciência a necessidade de discriminar essas terapias, considerando que em muitos casos é a mais eficaz e talvez a única alternativa. Dessa forma, pesquisas que comprovem a destruição de algumas crenças e tabus são essenciais, pois longe do uso recreativo, há pacientes, familiares e também equipes médicas que lutam para aliviar sintomas de doenças que só causam sofrimento prolongado”, declarou a pesquisadora nas considerações finais do estudo.

O novo estudo sobre o potencial da cannabis no tratamento de doenças neurodegenerativas só foi possível graças à doação feita pela Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi) dos óleos de maconha.

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Imagem em destaque: Vecteezy | Tinnakorn Jorruang.

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