Autodefesa do usuário: como me comportar no momento do enquadro?

Erik Torquato autodefesa

Tema de uma série de aulas gratuitas desenvolvidas pelo advogado criminalista e militante antiproibicionista Erik Torquato, a autodefesa do usuário é imprescindível para a construção de uma boa estratégia jurídica desde o momento da abordagem. Confira, a seguir, um resumo das principais dúvidas a respeito

Como devo me comportar na hora do enquadro?

Antes de falar como o cidadão deve se comportar, é preciso entender o que pode e o que não pode acontecer em uma abordagem. Dessa forma, é importante distinguir quais são os limites legais da atuação do funcionário público que pratica o ato, para que, com base nesse conhecimento, o cidadão possa tomar a conduta adequada e voltada para a preservação da legalidade da abordagem, bem como sua proteção pessoal contra abusos e ilegalidades eventualmente cometidas.

Assim, como o tema requer um conhecimento mínimo sobre direitos e deveres e dos requisitos de validade de atos praticados por agentes públicos, por enquanto deixo apenas algumas dicas gerais que, independente do nível de conhecimento básico sobre esses conceitos, serão sempre comportamentos que ajudarão em qualquer situação de abordagem.

A primeira coisa a se fazer numa abordagem é demonstrar que não há risco para o agente policial, dessa maneira, sempre que possível, demonstre, falando ou gesticulando, que não há armas ou qualquer ameaça de sua parte. Pode parecer óbvio, mas essa conduta pode ajudar no sentido de fazer com que a abordagem seja menos agressiva logo de início.

Outra conduta prudente a ser adotada é logo de cara dizer seu nome e sua profissão, isso fará com que o agente entenda que você está colaborativo com o trabalho dele e que antes mesmo de ser indagado você já buscou se identificar para demonstrar sua postura de colaborador.

Essas duas posturas são essenciais para que a abordagem se inicie de maneira menos traumática. Porém, se mesmo assim o agente policial assumir uma postura agressiva e desrespeitosa, é fundamental que você saiba identificar onde e quando seus direitos começam a ser violados, também como e por que o policial não está agindo de acordo com a lei e quais são as consequências possíveis dos atos ilegais que ele estiver praticando.

Dessa forma, sabendo identificar esses detalhes na abordagem, você estará melhor preparado para assumir um comportamento autodefensivo contra os eventuais abusos cometidos e ilegalidades praticadas.

Quais as principais informações que eu devo apresentar na delegacia em caso de um flagrante de porte de substância entorpecente?

Se da abordagem você for levado para delegacia em virtude de posse de entorpecentes, a principal informação que deve constar é a finalidade da posse. Pois pela finalidade o delegado deverá diferenciar se a posse se destina ao uso próprio ou para fins de tráfico. Portanto, essa sem dúvida é a principal informação.

No entanto, não é a única. Pelo contrário, existem inúmeras outras informações que poderão constar para que, no futuro, o trabalho de defesa seja realizado de maneira a aumentar suas chances de êxito contra eventuais acusações injustas.

Todavia, seria praticamente impossível descrever todos os possíveis pontos de argumentação que devem estar presentes numa abordagem. Por mais que tentássemos, jamais iríamos esgotar todas as eventuais situações que diante do caso concreto exigiriam argumentos específicos para fazer constar a melhor estratégia defensiva.

Entretanto, existe um padrão que geralmente se repete nas abordagens e nos flagrantes e que é importante que você esteja atento. Todas as abordagens que se iniciam na rua começam com os policiais fazendo perguntas que são verdadeiros interrogatórios criminais.

Assim, na medida que os policiais obrigam os cidadãos a responderem as mais variadas perguntas sem lhes darem chances de exercerem o direito constitucional ao silêncio, obrigando-os a responder sob forte ameaça e coação, é possível fazer constar na delegacia, no momento do seu depoimento, que os policiais praticaram um interrogatório na rua sem preservar a garantia do silêncio.

Dessa maneira, o simples fato de fazer constar no depoimento que houve um interrogatório por parte dos policiais em que não houve garantia ao silêncio, dependendo do caso concreto, posteriormente poderá ser usado para que haja o reconhecimento da nulidade de um eventual flagrante. Assim foi que o Ministro Gilmar Mendes anulou uma condenação no Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 170.843-SP.

Em casos de cultivo doméstico, o que pode acontecer com a minha família se houver uma denúncia anônima?

O pior que pode acontecer é sua família ser presa junto com você. Infelizmente, é uma situação que de fato pode ocorrer e eu já vi na prática! Por isso, é muito importante que quando se fala em autodefesa deve ser entendido também defesa da família.

Quando há uma situação de cultivo doméstico, é necessário que todos os residentes do imóvel estejam minimamente cientes dos riscos a que estão se expondo. Nem sempre as autoridades são coerentes em aplicar a responsabilidade penal apenas ao responsável pelo cultivo e acabam estendendo a responsabilidade a todos os coabitantes do imóvel, mesmo que apenas o cultivador seja o real responsável e consumidor final do cultivo realizado.

Para tentar minimizar uma situação de criminalização exagerada como essa, é fundamental que alguns conhecimentos básicos de direito sejam de conhecimento de todos que moram na casa onde o cultivo é realizado. No momento em que todos conhecerem seus direitos, certamente estarão melhores preparados para agir em defesa própria até que um eventual advogado chegue, aumentando, assim, as chances de fazer prevalecer a verdade de maneira que as consequências jurídicas do cultivo doméstico sejam aplicadas justamente ao real usuário.

Por fim, é bom que o leitor entenda que esta publicação não representa um manual nem pretende ser uma cartilha do que deve ser feito para que o resultado desejado aconteça, estou apenas compartilhando um pouco de minha experiência de uma década dedicada à defesa de usuários e cultivadores.

É certo que existem muitas outras variantes que deverão ser observadas, mas que neste resumido texto não caberiam, por isso, convido a você, que chegou até aqui na leitura, a participar da Semana da Autodefesa do Usuário, onde eu preparei uma sequência de aulas on-line e gratuitas para falar muito sobre conhecimento jurídico para que você esteja melhor preparado para exercer seu direito de defesa!

Quer aprender mais e se preparar melhor? Clique no link eriktorquato.com.br e se inscreva para participar da Semana da Autodefesa do Usuário entre os dias 4 e 7 de novembro, às 20h28. Aproveite também que nesse link você encontrará o acesso ao grupo do Telegram!

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#PraTodosVerem: imagem de capa mostra um retrato do advogado Erik Torquato em moldura redonda e fundo branco, o nome da coluna, “Erik Torquato responde”, e, à direita, plantas de cannabis em um cultivo indoor.

Sobre Erik Torquato

Advogado criminalista e ativista pelo fim da guerra às drogas. Membro da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas - Rede Reforma. Conselheiro do Núcleo de Álcool, Drogas e Saúde Mental da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. Co-fundador da RENCA. Militante da Marcha da Maconha. (11) 97412-0420. E-mail eriktorquato.adv@gmail.com Tel: 21-97234-1865 / e-mail eriktorquato.adv@gmail.com
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