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Conheça a Associação Brasileira dos Cultivadores de Cannabis

Organização busca reconhecimento de classe, instrumentalização, proteção dos cultivadores e transparência na cadeia produtiva

É pelas mãos de quem cultiva que brota o remédio. É por uma rede que perpetua um saber ancestral, apesar do proibicionismo, que as pessoas têm acesso a este remédio artesanal no Brasil – através do cultivo doméstico ou das associações. É a partir dos cultivadores que se estabelece, ainda, uma cadeia produtiva nacional, de alto potencial, ancorada no Terceiro Setor.

Há muitos motivos para enaltecer os growers, amadores ou profissionais, que difundem a cultura – nos dois sentidos – da maconha no país. Porém, na prática, à medida que o associativismo se dissemina como uma maneira de plantar, produzir e distribuir cannabis com fins terapêuticos por aqui, a vulnerabilidade do cultivador enquanto elo dessa cadeia fica aparente.

“Hoje, o protagonismo do jardineiro é zero”, diz Raphael Meduza, cultivador desde 2014, professor e um dos fundadores da Associação Brasileira dos Cultivadores de Cannabis (A.B.C.Can). “É muito romântico, mas, na verdade mesmo, é um trabalhador do campo, com especificidades, que precisa de treinamento”.  

O desprestígio se mostra na precarização do trabalho, na baixa remuneração e na falta de segurança e de instrumentalização dos profissionais.

“Tirando os 171 e a malandragem de sempre, começaram a aparecer associações sem muita gestão”, conta. “Um cara pega, aluga uma casa, bota um cultivador feliz para trabalhar, o cara não ganha nada, mora numa casa com cem plantas, aí a polícia bate, quem se fode?”

Das frustrações e angústias de quem vive essa realidade, surge a A.B.C.Can, organização que busca fortalecer e proteger o trabalho dos cultivadores, instrumentalizar a classe, oferecer apoio jurídico e estabelecer critérios para garantir transparência e ética na cadeia produtiva.

“A ideia é organizar os amigos, não botar os outros no B.O., para tentar sindicalizar a classe, porque no dia que a indústria chegar aqui, vai socar na gente, porque somos o elo mais barato da estrutura” explica Meduza. “O cultivador não se faz no campo, temos um commodity muito caro, temos que nos instrumentalizar, para mitigar custo, perda, e fazer isso numa cadeia real”.

A instrumentalização a que ele se refere passa por questões de treinamento prático, como adequação às regras que regem a produção de maconha no país, uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), manejo e otimização da produção agrícola; e de letramento político, como reivindicações sobre condições justas de trabalho e pressão por condutas éticas e transparentes, por exemplo.

“Existem formas de fazer uma parada mais humana, desde transparência até microcrédito, que ajudam a estrutura social”, diz. “E como fazer isso? Criando selo de qualidade de trabalho, selo de transparência, selo de orgânico, criando estruturas de fair trade… A gente só vai garantir a qualidade do jardim se os jardineiros se unirem”.

Quem cultiva para si, sem a pretensão de se inserir no mercado, também tem espaço na A.B.C.Can. Afinal, como diz Meduza, “cultivo é sacerdócio”.

“O grower não é só um cultivador, não basta botar duas sementes no chão. Você tem cultura musical, cultura de filme, que destoa completamente de manejo, mas que agrega dentro de um tipo de conteúdo, com humor próprio, personagens próprios, linguagem própria. É isso que a gente está tentando juntar”, diz.

Aos hobistas, como são chamados pela associação os cultivadores amadores, a A.B.C.Can é um espaço seguro de troca, uma fonte de conhecimento sobre a prática, uma rede de pessoas com uma paixão em comum e uma oportunidade de participar, ainda que indiretamente, da construção coletiva de um ecossistema que valorize esse ofício. “O futuro é perfeito, mas se a gente não fizer um presente combativo, se a gente não tiver posição, a gente vai acabar deixando as pessoas que estão querendo corromper corromperem”, conclui Meduza.

Foto de capa: CRYSTALWEED cannabis | Unsplash.

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Thaís Ritli

Thaís Ritli é jornalista especializada em cannabis e editora-chefe na Smoke Buddies, onde também escreve perfis, crônicas e outras brisas.

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