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Fotografia mostra, em fundo preto, tela de smartphone com aplicativos Foto Rami al Zayat Unsplash

Censura nas redes sociais: a problemática por trás dos bloqueios de perfis canábicos

Shadowbans e exclusões de perfis que abordam a cannabis nas redes sociais revelam despreparo e descaso das plataformas ao avaliar condutas relativas às diretrizes das comunidades, causando prejuízos aos criadores de conteúdo

Não é de hoje que testemunhamos a arbitrariedade com a qual as plataformas de redes sociais aplicam suas regras de conduta em relação aos perfis canábicos. Quem comunica sobre maconha e política de drogas nas redes convive com restrições constantes no impulsionamento pago e no alcance orgânico dos posts, os chamados shadowbans, além da ameaça iminente de perder a conta definitivamente, sem aviso prévio, em um desperdício de trabalho, esforços e dedicação para construir uma base de seguidores.

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O despreparo e o descaso que regem a maneira como as big techs lidam com os perfis canábicos, causando prejuízos aos criadores de conteúdo, estão sendo enfrentados judicialmente, através de ações que pleiteiam o restabelecimento de contas e requerem indenizações pelos transtornos causados pela censura injustificada que as plataformas promovem. No front dessa batalha, o advogado Clayton Medeiros Bastos Silva vem acumulando vitórias judiciais contra a Meta em demandas que envolvem cannabis, liberdade de expressão e de imprensa. Trocamos uma ideia com ele sobre censura e proibicionismo nas redes sociais, confira a seguir:

Como você avalia o bloqueio de perfis canábicos pelo Instagram sem aviso prévio? As plataformas de redes sociais têm prerrogativa legal para isso?

É importante dizer que a censura realizada pelas redes sociais aos perfis que falam sobre a cannabis é pautada no proibicionismo, no racismo e na falta de conhecimento das plataformas sobre a planta. A censura praticada aos perfis canábicos é péssima não só para os donos dos perfis, que muitas vezes geram emprego e renda através desses perfis e que, efetivamente, dependem do mesmo para honrar os seus compromissos pessoais e profissionais, mas também
é péssimo para a própria plataforma, afastando possíveis investidores, já que os perfis que falam sobre a planta, podem deixar de “turbinar” a própria publicação, uma ferramenta criada pelo próprio Instagram. Além de, claro, criar instabilidade comercial, empresarial e emocional de forma geral.

As plataformas só possuem prerrogativa para excluir o perfil da rede social em caso de não cumprimento das diretrizes da comunidade, o que, na maioria
das vezes, não acontece. A política de drogas do Instagram é simples e genérica, apenas informando que não pode “comprar ou vender drogas não medicinais ou farmacêuticas” e “doar, presentear, requisitar, trocar ou coordenar a troca de drogas não medicinais, bem como conteúdos que admitam o uso pessoal (…) ou coordenem ou promovam o uso de drogas não medicinais”. A grande maioria dos perfis não está praticando nenhum dos atos proibidos pelas diretrizes do Instagram (falo aqui Instagram, mas se aplica a todas as redes sociais, porque a política de drogas é um verdadeiro copia e cola).

Quando há a censura praticada pela rede social, é deixado claro que as big techs não reconhecem o uso medicinal da cannabis, praticando uma verdadeira anticiência no Brasil. Bem como a rede social não dá o direito mínimo de defesa dos usuários, ferindo preceitos constitucionais fundamentais, como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, já que a única forma do usuário se socorrer é totalmente automática e falha.

Por falar em falha, a relação entre a rede social e o seu usuário é uma relação de consumo, conforme já definido pelo STJ e, se é uma relação de consumo, existe uma falha na prestação de serviços (rede social) para com o seu consumidor (usuário), quando não respeita os preceitos fundamentais aqui informados, mas também quando não respeita o código de defesa do consumidor, que garante o direito básico a informação, direito esse que não é respeitado nem de longe.

Ademais, a Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) estabeleceu que a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento a liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento, exatamente nos termos do que garante a Constituição. Portanto, na forma como determina o Marco Civil da Internet, a liberdade de expressão é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet. O objetivo, então, é permitir a todos o acesso à informação, à livre iniciativa, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos, além do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Também, a Constituição garante a liberdade de expressão, de livre manifestação do pensamento e a liberdade de imprensa, todos no artigo 5º, no título dos direitos e garantias fundamentais.

Por fim, o STF já estabeleceu que é direito de todo e qualquer cidadão debater a política de drogas nacional e falar sobre cannabis, conforme o julgamento da ADPF 187. É preciso uma resposta longa para dizer que os usuários estão protegidos por diversos dispositivos legais e, ironicamente, pelas próprias diretrizes da comunidade da rede social, logo, a censura de perfis canábicos é um ato atentatório a Constituição Federal e a direitos e garantias fundamentais.

Como os termos de uso das plataformas e a liberdade de expressão se conflitam em situações como essa?

A bem da verdade é que não deveria haver conflito entre liberdade de expressão e os termos de uso da plataforma, já que os próprios termos de uso permitem conteúdo informativo, educativo, medicinal (mesmo não reconhecendo a cannabis como medicina) e jornalístico.

O conflito, ao meu ver, é um trabalho preguiçoso das redes sociais, totalmente robotizado, para averiguar se, realmente, aquele perfil feriu as diretrizes da comunidade. Afinal, não podemos normalizar que o fundamento da censura, como é o caso da Smoke Buddies, é de que o perfil estaria vendendo droga. O conflito é que temos big techs apenas visando o lucro e pouco se importando com as censuras e suas acusações infundadas com os perfis que falam sobre cannabis.

De que maneira o proibicionismo acentua ações arbitrárias de cerceamento por parte das big techs?

O proibicionismo realizado pelas grandes empresas, no caso das redes sociais com a prática das censuras, é pela falta de conhecimento sobre a cannabis, sua história e seus benefícios. Existe um desconhecimento, que desenboca no proibicionismo, mas o primeiro passa pela efetividade do sistema capitalista e completamente racista, que é regido por essas empresas. Muito lucro e pouco estudo. Se não há estudo, se não há vontade de aprender, se falta interesse no diálogo, o caminho mais fácil, e desumano, sempre será o proibicionismo. A punição sempre será o caminho mais curto e mais fácil aos que estão lucrando, o caminho mais longo e mais difícil, que é realizar uma política abrangente sobre drogas e possível modulação das diretrizes da comunidade, pouco interessa dentro do sistema punitivsta.

Como os perfis canábicos podem lutar contra shadowbans e bloqueios das contas? Há como prevenir esse tipo de ação das plataformas?

Hoje, dentro do cenário de censura, para evitar que o perfil seja derrubado e não venha causar prejuízo para o seu usuário, a primeira saída é modificar a forma de se comunicar e isso muitos usuários já estão fazendo. Não é a forma que gosto de recomendar, mas para evitar que o perfil seja derrubado, é um caminho, mas é um caminho de incertezas, porque apesar da modificação na comunicação, ainda assim diversos perfis são derrubados. É uma incerteza, de fato.

O que pode ser feito juridicamente, além da ingressar com a ação e fazer o pedido de devolução do perfil, a retirada da restrição dos conteúdos, indenização pelo dano moral sofrido e ressarcimento pelo dano material sofrido, existe a possibilidade de ingressar com uma ação antes do perfil ser derrubado e pedir que a censura não seja praticada, para que o perfil fique resguardado e ativo.

Falar sobre cannabis é um direito nosso, garantido e respaldado por lei e decisões judiciais!

Foto de capa: Rami Al-zayat | Unsplash

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Thaís Ritli

Thaís Ritli é jornalista especializada em cannabis e editora-chefe na Smoke Buddies, onde também escreve perfis, crônicas e outras brisas.

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