Mãe conta como a filha passou de 60 convulsões diárias para quase nenhuma após o uso da cannabis

Fotografia mostra duas mãos unidas em forma de concha e, sobre as mesmas, uma pequena folha de cannabis.

Conheça a trajetória de uma professora aposentada do Rio Grande do Sul que viu na cannabis a esperança para a filha ter uma qualidade de vida depois da Síndrome de Dravet

Foram cinco anos para que a professora Liane Pereira (54), do Rio Grande do Sul, descobrisse que a filha Caroline tinha Síndrome de Dravet, um tipo raro de epilepsia resistente a medicamentos.

A menina passou a ter convulsões desde que nasceu e com poucos meses de vida já tomava altas doses de anticonvulsivantes. A família ainda tentou uma cirurgia pelo Instituto do Cérebro da Puc (Pontifícia Universidade Católica), mas não adiantaria para o seu caso.

Foi só depois da cannabis que a Caroline passou de 60 convulsões diárias para algumas pela noite. Hoje, com 13 anos, a menina superou as expectativas e passou a ter autonomia para comer, andar e sorrir.

Contudo, Liane precisou percorrer um longo caminho para isso.

Foto: acervo pessoal.

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Uma vida antes e uma vida depois

Para Liane, existia uma vida antes e uma vida depois do nascimento da caçula. Mesmo com outros filhos, a professora era uma funcionária exemplo, raramente faltava no trabalho. Mas tudo mudou depois que a Caroline veio ao mundo.

A síndrome de Dravet é uma condição genética que acontece por causa da mutação dos genes e afeta uma em cada 40 mil pessoas no mundo. O problema acarreta convulsões, principalmente antes do primeiro ano de vida, com crises tão intensas e frequentes que há a possibilidade de induzir ao coma.

“Com 25 dias de vida, a minha filha entrou em um estado de mal epiléptico”, acrescenta Liane.

Síndromes não têm cura, por isso, o paciente precisa conviver com a doença. A síndrome de Dravet acontece a partir de mutações no gene SCN1A, que impede a produção de uma proteína que garante o funcionamento dos canais de sódio que vão para os neurônios.

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Caroline passou a tomar anticonvulsivantes com meses de vida. Remédios que nem eram recomendados para a sua faixa etária. Aos cinco anos, a menina já tomava quatro tipos de tarja preta em dose máxima, mas as crises continuavam.

A mãe ainda tentou uma cirurgia pelo Instituto do Cérebro da Puc do Rio Grande do Sul, mas não ia adiantar. “Os médicos disseram que o cérebro dela era como fogos de artifício, não tinha um foco único”, acrescenta.

Cannabis como opção

Liane conta que a sua saga com a cannabis começou em 2014, após assistir o documentário Ilegal. O filme conta a história da família Fischer, que ficou conhecida por ser a primeira a obter na justiça o direito de importar produtos feitos com a cannabis.

O acontecimento rendeu o documentário, que foi um divisor de águas na vida de muitas pessoas que não conheciam os benefícios da planta. Além de ser um precursor para a criação de uma resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que permitiu a importação de produtos de cannabis em 2015.

Caroline passou a tomar o óleo importado em 2016. Mas por causa do preço, era difícil manter. Liane ainda conseguiu uma ação judicial para o custeamento pelo seu município no ano seguinte, mas ainda assim não estava garantido.

“Em três anos, eles (a prefeitura) só custearam o óleo por nove meses. Eu tinha que fazer rifas e vaquinhas online para comprar”, acrescenta.

Foto: acervo pessoal.

A professora saiu pedindo ajuda por todos os lugares. Chegou até a sair em uma reportagem da RBS, uma afiliada da rede Globo no Rio Grande do Sul, e em uma matéria no Correio do Povo, para pressionar o município a cumprir a decisão.

Liane conta que, assim que terminou a reportagem na TV, uma internauta lhe enviou um concentrado artesanal de cannabis. Ela não sabia exatamente o que continha dentro do frasco, muito menos quem mandou, mas ajudou a sua filha a amenizar as crises durante aquele mês. “Até hoje eu não sei quem foi, nunca conheci”, acrescenta.

Recorrendo ao cultivo

Foi nessa época que a história da Cidinha passou no Fantástico. Cida Carvalho, hoje fundadora da associação Cultive, também tem uma filha com a síndrome de Dravet. Como na história da Anny Fischer, a cannabis foi o único tratamento que deu certo.

Contudo, dessa vez, a história da Cidinha trouxe um novo elemento que, até agora, Liane não tinha apostado: o cultivo caseiro para a extração do óleo. Por isso, a professora não pensou duas vezes e viajou para São Paulo em busca da referência que poderia ajudá-la.

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Nunca tinha estado na metrópole, muito menos em uma Marcha da Maconha. Ela foi ao evento com um único objetivo: encontrar a frente das mães e falar com a Cidinha, mesmo sem nunca ter a conhecido. E conseguiu.

Em 2017 a professora já estava fazendo os cursos de extração da Cultive. “Lembro que voltei para o Rio Grande do Sul com uma muda (de cannabis) dentro da mala, enrolada nas roupas. Nem sei como passou no raio X”, relata.

O seu primeiro grow foi uma máquina de lavar velha com algumas lâmpadas penduradas, mas foi aperfeiçoando com o tempo. Ela passou pouco mais de um ano plantando na ilegalidade.

Por fim, saiu o Habeas Corpus, uma decisão judicial que dá o direito ao salvo-conduto para plantar sem correr o risco de ser presa. Liane precisa renovar de tempos em tempos, mas não se importa.

Foto: acervo pessoal.

Sem anticonvulsivantes 

Liane conta que a melhora da filha foi incrível. As crises foram diminuindo com o tempo e hoje ela não tem praticamente nenhuma. Junto a um profissional ela conseguiu retirar os medicamentos aos poucos até tirar todos em 2020.

Fato que trouxe qualidade de vida. Para quem não podia sair de casa sem a cadeira de rodas, hoje Caroline pode andar pela casa livremente e tem autonomia para comer, não usa mais fraldas e já sabe juntar sílabas.

“Hoje ela desenha, pinta, gosta de passear e até grava para o TikTok. Ela vive, dá para ver a melhora só no seu olhar”, relata a mãe.

Com isso, a mãe pôde até voltar a trabalhar. Hoje, Liane virou representante da empresa Revivid, uma marca de produtos à base de cannabis.

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Imagem em destaque: Pexels / Kindel Media.

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