Associação obtém HC coletivo inédito para cultivo de cannabis com fins terapêuticos do Brasil

Associação de Cannabis e Saúde Cultive é a primeira do país a obter Habeas Corpus coletivo para o cultivo, de forma associativa, de plantas de cannabis para uso terapêutico no Brasil
A decisão inédita que garante à Cultive e seus associados o direito de cultivar e produzir extratos artesanais de Cannabis sativa é um marco na luta pela democratização do acesso à saúde e símbolo da força do associativismo canábico no Brasil. Mas não só. A vitória é ainda o vislumbre de uma lógica em que pacientes e a comunidade atuam coletivamente na construção de uma realidade com foco no bem-estar das pessoas.
“Diferentemente das ações da esfera cível já promovidas, esta decisão representa o reconhecimento da Justiça Criminal de que cuidar da própria saúde não pode ser considerado crime“, afirma, em comunicado à imprensa, Ricardo Nemer, advogado da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma), à frente da estratégia. “A inércia estatal em conferir eficácia a tal norma não pode servir de obstáculo à concretização do direito fundamental à saúde e à própria dignidade da pessoa humana, neste caso, a concessão da Ordem de Habeas Corpus.”
Na prática, a decisão proferida pela juíza Adriana Barrea, do Departamento Técnico de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (DIPO-3) do Tribunal de Justiça de São Paulo, impede que os responsáveis e membros da associação paulistana sejam presos pela realização do cultivo, pela produção de medicamento ou por fornecer mudas a seus associados portadores de ordem judicial para tal finalidade.
“Somos a prova viva de que o acesso à cannabis terapêutica não é um privilégio da grande indústria farmacêutica“, diz Cidinha Carvalho, presidente da Cultive. “Apoiamos primordialmente a autonomia do paciente que pratica o cultivo pessoal como forma de acesso paritário e universal”.
“Até então, as decisões para associações foram na esfera cível, determinando que se autorizasse o cultivo”, explica o advogado Emílio Figueiredo, diretor da Rede Reforma e responsável por muitas decisões favoráveis ao cultivo no Brasil, à Smoke Buddies. “O que a juíza disse na decisão é que o cultivo realizado pela associação para seus associados não pode ser considerado um ato criminoso e traz o debate fundamental sobre a criminalização do cuidado com a saúde através do uso de cannabis“.
Com o salvo-conduto, a associação deve expandir e estruturar sua operação. “Queremos alugar um espaço, investir em equipamentos e conseguir remunerar os profissionais envolvidos no processo. Com mais estrutura, conseguiremos mostrar que é possível ter um cultivo coletivo, artesanal e de muita qualidade a baixo custo para aqueles associados que não conseguem ou não sabem produzir“, diz Fábio Carvalho, cultivador e diretor da associação. “Para os pacientes autossustentáveis, que realizam seu próprio cultivo, poderemos também proporcionar mudas de variedades que melhor atendam suas necessidades”.
Para o neurocientista Renato Filev, associado da Cultive, a decisão permite uma nova mentalidade sobre o acesso à cannabis terapêutica. “A intenção é obter a cannabis e seus componentes a partir de um processo autônomo, onde os próprios associados serão parte do processo”, ele diz à Smoke Buddies. “A importância de ter este HC é tornar-se como um modelo, um exemplo para outras associações que vêm buscando formatos de permitir aos seus associados o uso digno da planta em prol da saúde”.
A associação de pacientes luta pelo acesso democrático à cannabis desde 2016 e reúne pacientes, familiares, cientistas e um corpo técnico que promove ações para a disseminação de informação e articulação de uma rede de apoio para quem encontra na planta saúde e qualidade de vida.
“Esta, sem dúvida, é uma vitória coletiva, é uma luta que começou de baixo para cima, com cultivadores ensinando mães, e mães ensinando médicos, enquanto a guerra às drogas segue matando pretos e periféricos. A guerra precisa ser travada para combater a ignorância, a desigualdade, o encarceramento e todos os preconceitos. Já perdemos muitas vidas, precisamos inverter o jogo com uma lei que preserve de verdade a vida e a saúde”, conclui Cidinha.
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#PraCegoVer: fotografia, tirada de cima para baixo, que mostra uma pequena muda de cannabis, com duas folhinhas redondas e duas serrilhadas, de cor verde-escuro, e um substrato escuro com pontos brancos, ao fundo, desfocado. Imagem: THCamera Cannabis Art.

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