Anvisa se manifesta sobre a proibição das flores de cannabis

Agência mantém posicionamento de que a comercialização das inflorescências in natura tem potencial de desvio para uso “recreativo”
Duas semanas após emitir uma nota técnica informando que não autorizaria mais a importação de flores de cannabis para uso medicinal, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em resposta a questionamento da Justiça, emitiu um novo documento para justificar o veto.
A agência foi intimada a se manifestar sobre uma medida liminar (ação popular), que pretende suspender a nota técnica considerando que a medida contradiz um regulamento que a própria Diretoria Colegiada da Anvisa publicou.
Segundo o advogado responsável pela ação, Gabriel Dutra Pietricovsky, a Quinta Diretoria da Anvisa, ao editar a nota técnica 35/2023, “desbordou de sua competência legal”, uma vez que “não tem competência para definir critérios de análise a respeito da qualidade e segurança dos produtos de cannabis” e não fala em nome da Diretoria Colegiada, que publicou a RDC 660/2022 — resolução que define os critérios e procedimentos para a importação de produto derivado de maconha.
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O novo documento da Anvisa, com as justificativas para a proibição, apenas confirma o posicionamento da agência apresentado na primeira nota técnica e apresenta uma enxurrada de informações que não abordam a questão da incompetência da quinta diretoria para vetar a importação de flores de cannabis e nem a contradição do que diz a resolução, conforme apontado pela defesa.
Entre os argumentos expostos no documento, a Anvisa diz que desde 2021 passou a permitir a importação de produtos à base de flores de cannabis e que, desde então, tem observado com apreensão o aumento expressivo deste tipo de autorização.
Segundo a agência, essa preocupação foi relatada pela Coordenação de Inspeção e Fiscalização Sanitária de Medicamentos e pela Gerência-Geral de Portos, Aeroportos, Fronteiras e Recintos Alfandegados, bem como por outros órgãos relacionados ao controle aduaneiro.
“Pessoas poderiam estar se aproveitando das autorizações concedidas com base na RDC n.º 660, de 2022, para importar produtos ilícitos para fins recreativos”, segundo uma comunicação da Receita Federal mencionada na justificativa.
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A agência também aponta para um contexto relativo à “promoção do mecanismo de importação de flores de cannabis, no âmbito da RDC nº 660, de 2022, para fins de uso recreativo ou adulto”, alegando que tem sido noticiado na mídia a substituição do consumo de maconha de baixa qualidade vendida de forma ilegal (“prensado”) pelas flores importadas para fins de tratamento medicinal.
Contudo, como bem pontua o advogado Pietricovsky em sua petição, a nota técnica em questão “descumpre norma hierarquicamente superior” a ela, visto que a RDC 660 responsabiliza o paciente sobre o que ele importa. Como pode ser claramente entendido no texto dos artigos 17 e 18 da resolução:
Art. 17. A responsabilidade, pelos danos à saúde individual ou coletiva e ao meio ambiente, decorrente da alteração da finalidade de ingresso do produto no território nacional é do importador.
Art. 18. A prescrição realizada pelo profissional e a solicitação de Autorização pelo paciente ou seu responsável legal representam a ciência e o aceite por ambos da ausência de comprovação da qualidade, da segurança e da eficácia dos produtos importados, bem como pelos eventos adversos que podem ocorrer, sendo o profissional prescritor e o paciente ou seu responsável legal totalmente responsáveis pelo uso do produto.
A Anvisa também afirma que “a combustão e inalação de uma planta não são formas farmacêuticas / vias de administração de produto destinado ao tratamento de saúde”.
No entanto, o argumento não tem respaldo científico, visto que um corpo crescente de estudos demonstra a segurança e eficácia do uso vaporizado/fumado de cannabis e a importância dessa via de administração para o tratamento de certas condições.
O processo que pede a sustação da proibição da importação de flores de cannabis pela Anvisa corre na 1ª Vara Federal Cível do Distrito Federal e está sendo conduzido pelo juiz federal Renato Coelho Borelli.
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Foto de capa: Laura Jaramillo Bernal | Unsplash.

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