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Eficácia da maconha como ferramenta de redução de danos é debatida em reunião da Frente da Cannabis da Alesp

Debate abordou alternativas para o tratamento da dependência química e contou com especialistas que discorreram sobre os efeitos terapêuticos da cannabis

Em sua segunda reunião do ano, a Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) debateu o tema “Cannabis e Redução de Danos”. Coordenado pelo deputado estadual Caio França (PSB), o grupo recebeu profissionais da saúde, especialistas na área e pessoas que utilizam a terapêutica canábica e a redução de danos para o tratamento da dependência. O encontro aconteceu no último dia 20, no auditório Teotônio Vilela.

“Existem diversas estratégias de redução de danos que têm se mostrado eficazes em lidar com o uso de diferentes substâncias, como espaços de consumo assistido, programas de trocas de seringas, terapias de substituição, distribuição de insumos para consumo de drogas, testes para detecção de infecções sexualmente transmissíveis, centros de convivência para pessoas que usam drogas e para educação sobre o uso de drogas e apoio psicossocial. As estratégias devem ser adequadas às demandas das pessoas e pautadas nos direitos humanos”, disse o deputado Eduardo Suplicy (PT), que é vice-coordenador da frente.

“Nesse sentido, a cannabis medicinal representa uma área promissora, que exige a nossa atenção e entendimento; devemos continuar a explorar suas potencialidades terapêuticas e integrá-la de forma responsável em nossas políticas de saúde”, continuou o deputado, que usa a cannabis em tratamento do Parkinson.

Suplicy é autor de um projeto de lei que busca instituir uma Política Estadual de Redução de Riscos e Danos em São Paulo. O texto estabelece orientação e diretrizes para o desenvolvimento de estratégias de atenção à saúde no consumo de substâncias lícitas e ilícitas, visando oferecer assistência integral às pessoas que usam drogas.

Andrea Galassi, médica e coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da UnB, foi a primeira convidada a falar e comentou sobre como a pesquisa da cannabis como agente de redução de danos de outras drogas vem sendo realizada desde os anos 1970, incluindo estudos sobre a utilização da maconha como ferramenta terapêutica para reduzir o consumo de álcool.

Ela trabalhou em um ensaio clínico com dois grupos de pacientes que receberam tratamentos distintos para o vício em crack, um fez uso de canabidiol (um dos compostos da cannabis) e o outro utilizou fluoxetina, clonazepam e ácido valproico. “Os resultados foram positivos e promissores para quem recebeu o canabidiol, que teve uma redução do uso de crack maior que aqueles que receberam os medicamentos convencionais, sem apresentar efeitos colaterais”, afirmou a médica.

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A doutora em Saúde Coletiva Janaína Rubio falou sobre os impactos do uso de crack e a cocaína associados ao álcool, e como a maconha auxilia para retirar o dependente do ciclo vicioso.

“Quando ele usa crack com álcool, ele entra num ciclo, pois o crack deixa muito estimulado e ele bebe para diminuir a paranoia, e aí ele volta a fumar crack para reduzir o efeito do álcool, e passa muito tempo nesse ciclo. Entre os vários riscos que isso pode acarretar, tem o cocaetileno [substância formada no fígado após a metabolização do álcool com cocaína] que é cardiotóxico e hepatotóxico”, alertou a pesquisadora, que também atua no Centro de Convivência É de Lei.

Segundo Rubio, os perigos e riscos em decorrência do uso associado de álcool e cocaína/crack não são vistos no caso da associação entre crack e maconha, que é empiricamente feita pelos dependentes para reduzir os danos do crack, com benefícios como aumento do apetite e melhora do sono. De acordo com a pesquisadora, esse conhecimento foi o que inspirou a pesquisa científica sobre a cannabis como tratamento de redução de danos.

“Estudos internacionais vêm apresentando a maconha como redução de danos, inclusive, para uso de opioides, como heroína e outros derivados de opiáceos”, observou Rubio.

“Antigamente, a maconha era associada às pessoas negras e era considerada ‘veneno africano’, e as pessoas eram consideradas criminosas, só que ela não era terapêutica porque eram os negros que usavam. E aí os brancos redescobriram esse uso, passou a ser um uso terapêutico — para os brancos, porque os negros e pessoas em situação de vulnerabilidade ainda não fazem esse uso, e ainda tem pessoas morrendo nas favelas devido ao uso de maconha, e às vezes nem usam, mas ali é um território que o Estado colocou como um lugar que deve ser invadido por uso de drogas”, Janaína Rubio, doutora em saúde coletiva.

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O redutor de danos Cleiton Ferreira participa de um projeto social que o retirou das ruas, onde ele fazia consumo problemático de crack. Para ele, o trabalho de redução de danos gera oportunidade social para tirar o indivíduo da invisibilidade.

“Ter um lugar tranquilo para dormir e um lugar limpo para comer e ter uma atividade, que muda um pouco o seu aspecto de rotina, foi importante para sair daquela realidade”, relembrou Cleiton, se referindo ao programa “De Braços Abertos”, que foi seu primeiro contato com uma política pública de redução de danos. Implementado pela prefeitura de São Paulo em 2014, o programa propunha intervenções de saúde e assistência social para pessoas usuárias de drogas em vulnerabilidade, oferecendo de trabalho remunerado, alimentação e moradia.

“Que a gente possa trazer um novo lugar para uma regulamentação da política de drogas, abrindo melhores espaços de convivência, trazendo o âmbito do olhar e da escuta, porque muitas das pessoas que estão na cena não têm escuta por que são invisibilizadas diariamente por causa da sua realidade”, ressaltou Cleiton, que atua como agente de redução de danos no Centro de Convivência É de Lei.

Atualmente, Cleiton utiliza o óleo de cannabis para auxiliar no tratamento da dependência química e para a redução da ansiedade, e está abstinente do tabaco e do crack há cinco anos. A terapia canábica é fornecida por um projeto social fruto de uma parceria entre o É de Lei e a associação SouCannabis.

A escritora Priscila Santos fez um relato emocionado de como a maconha e a redução de danos salvaram a sua vida, sendo o único tratamento capaz de a fazer interromper o uso do crack. Ela é paciente de cannabis através de uma associação canábica e faz uso do óleo para o controle de sintomas de diversas condições.

“Eu fugia das clínicas, saía muito pior do que entrava, já fiz tratamento no CAPS — na minha época, não se falava em redução de danos, era somente o tratamento convencional com medicação —, fiz tratamento em NA, fiquei em algumas clínicas e comunidades terapêuticas, mas nada conseguia me livrar do uso abusivo e compulsivo do crack. Hoje, eu venho contar a minha história para as pessoas verem que a cannabis é uma planta medicinal, milenar, que salva vidas”, contou Priscila.

A eficácia da cannabis como ferramenta terapêutica para reduzir a dependência do crack já havia sido apontada em um pequeno estudo observacional conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A maioria dos participantes parou de usar crack e relatou que o uso de maconha reduziu seus sintomas de desejo e produziu mudanças subjetivas e concretas em seu comportamento, ajudando-os a superar o vício.

Confira a gravação da reunião da Frente Parlamentar da Cannabis, na íntegra:

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Imagem de capa: Bruna Sampaio | Alesp.

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Joel Rodrigues

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