Perspectivas sobre Política de Drogas para o segundo mandato Dilma

*Por Andrew Muller Reed, Mestre em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Para o blog Capitalismo em desencanto

Preparava-me para escrever estas linhas, que avaliariam as (poucas) perspectivas de avanço do Executivo referente à política de drogas nos próximos quatro anos, quando o próprio governo se apressou em deixar claro: nenhuma iniciativa sobre o tema está prevista para o segundo mandato de Dilma Rousseff, como afirmou o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.

O posicionamento confirma o que já se poderia esperar. Em doze anos de governo PT, a necessária reforma na política de drogas nunca ganhou relevância do Executivo. Desde as eleições de 2010, quando a bancada evangélica cresceu na base de sustentação governista, qualquer possibilidade de flexibilização foi congelada no Palácio do Planalto.

No Legislativo, ao contrário, o que o Congresso oferece de concreto é o projeto de lei PLC 37/2013– de autoria do Dep. Federal Osmar Terra (PMDB), já aprovado na Câmara e tramitando no Senado -, que pretende aumentar ainda mais a pena de “tráfico”, definir as internações compulsórias de usuários de drogas como ação prioritária na política de drogas nacional e regulamentar o repasse de verba pública para o financiamento de comunidades terapêuticas privadas – demanda de grupos religiosos bem representados na Casa e na base aliada[1]

A partir das recentes eleições, com o governo Dilma acenando para a direita na montagem dos ministérios e um Legislativo ainda mais conservador, a expectativa de mudança positiva mais palpável para os próximos anos continua sendo a possível descriminalização dos usuários pelo Supremo Tribunal Federal. O STF adia desde 2012 o julgamento de um recurso que pode considerar inconstitucional a criminalização do uso de drogas, por violar a liberdade individual e os princípios de intimidade e da vida privada.

Na contramão

O Brasil anda na direção contrária de países que tem buscado alternativas para lidar com a questão das drogas de maneira mais racional e humana. Um consenso mundial vem se consolidando em torno da ideia de que a atual política proibicionista fracassa. Em primeiro lugar, por não conseguir alcançar seu objetivo: a diminuição do consumo. O uso de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, permeia a sociedade. Apenas a menor parte das pessoas desenvolve dependência. É exatamente a proteção à saúde destas que fica dificultada pela criminalização e conseqüente estigmatização dos usuários de substâncias proibidas.

Em segundo lugar, a repressão tem criado novos problemas, de conseqüências sociais desastrosas, notadamente o aumento da violência urbana e do encarceramento – dando espaço para que violações aos direitos humanos sejam realizadas em nome do combate às drogas. Esse consenso tem sido representado em âmbito mundial pela Comissão Global sobre Drogas (Grupo de notáveis formado por ex-presidentes de Brasil, Chile, Colombia, México, Polônia, Portugal e Suíça e o ex-presidente da ONU Kofi Annan) que, em relatório publicado no ano passado, recomenda o fim da criminalização dos usuários e a regulamentação da produção e do uso das drogas pelos diferentes governos, como forma mais eficiente de controlar o avanço das substâncias ilícitas.

O grupo de ex-presidentes pressiona para que a ONU reveja sua posição em reunião especial sobre o tema a ser realizada em 2016. Os tratados internacionais antidrogas em vigência são usados como justificativa para a não realização de mudanças mais amplas de políticas globais, mas não tem sido empecilho para que experiências locais sejam feitas.

Usuários de drogas já não são criminalizados em Portugal, México e Argentina. A maconha medicinal é regulamentada nos EUA, Canadá, Reino Unido, França, Holanda, Espanha, Itália, Suíça, Israel e Austrália, permitindo que pessoas tenham acesso ao que de fato é um remédio eficiente para diversos males. Na Espanha, clubes de cultivo florescem. Recentes iniciativas no estado de Colorado, nos EUA, e no Uruguai, definiram regras para o mercado de cannabis (inclusive para fins recreativos), permitindo maior controle e a aplicação de impostos, redirecionando orçamentos de repressão para educação e saúde.

Violência e encarceramento seletivos

A lógica perversa do tráfico de drogas é também econômica: o mercado de drogas, ao ser proibido e combatido, torna-se hiper rentável, já que a remuneração cresce de acordo com o risco (Burgieman, 2011). Assim o crime organizado se estrutura e financia, corrompendo os mal-pagos agentes da lei e comprando armas para proteger seus negócios. O crescimento da violência urbana é conseqüência direta da proibição das drogas ao criar um mercado lucrativo e marginal.

Por sua vez, a metáfora da guerra ao “inimigo interno” é a marca das forças militares de Segurança Pública. Herança dos porões da ditadura, as práticas de repressão violenta resultaram ao alarmante número de 2 mil pessoas assassinadas pela polícia em supostos enfrentamentos (autos de resistência) no ano de 2013, segundo o oitavo Anuário Brasileiro da Segurança Pública.

Em 2012, a população carcerária brasileira chegou a 550 mil pessoas (para apenas 310 mil vagas existentes), a quarta maior do mundo. A maior incidência de presos é por “tráfico de drogas”, com 138 mil condenados, segundo o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen.

A atual Lei de Drogas, de 2006, “despenalizou” a figura do usuário: usar drogas continuou a ser um ato criminoso, mas as penas previstas são alternativas, sem privação de liberdade[2]. Por outro lado, a pena mínima para “tráfico” subiu de três para cinco anos, equiparado a crimes violentos.

A legislação é criticada, entretanto, por não definir critérios objetivos para diferenciar as figuras de “usuário” e “traficante”[3]. Essa indefinição formal tem favorecido o encarceramento seletivo de jovens pobres enquadrados como traficantes mesmo com pequenas quantidades de droga. Segundo pesquisa de Boiteux (2009) sobre a aplicação da lei de drogas no Rio de Janeiro e em Brasília, a maior parte dos condenados por tráfico é de réus primários, presos em flagrante, desarmados, sozinhos, com pouca quantidade de droga. A repressão se foca no elo mais vulnerável da cadeia do tráfico, os revendedores das ruas (varejistas), facilmente substituíveis em caso de morte ou prisão, sem que haja alteração na estrutura do negócio.

Com a atuação seletiva do sistema penal brasileiro, a política de drogas agrava o tradicional modelo de repressão e controle social punitivo dos pobres e excluídos, quadro que deveria colocar na agenda nacional a necessidade de mudança.

Desperdiçando oportunidades

Lula, apesar de posições pessoais favoráveis à descriminalização do usuário, quando eleito em 2002 deu suporte ao enfoque repressivo sobre o tráfico (Delmanto, 2013). Durante o segundo mandato, enfatizou a necessidade de “combate ao crack”, preparando terreno para Dilma lançar em 2012 o programa “Crack: é possível vencer”, no qual R$13,2 milhões de reais foram doados pelo Ministério da Justiça para armar as polícias Estaduais com pistolas de choque e sprays de pimenta a serem usados nas cenas de uso.

Poderia ter sido diferente: em 2011, o recém-titulado Secretário Nacional de Política sobre Drogas do Governo Federal Pedro Abramovay defendeu em sua primeira entrevista o fim da prisão para o pequeno traficante. A medida visava desafogar o sistema prisional e devolver à liberdade jovens brasileiros, não-violentos, que se confundem com usuários: presos em flagrante, sozinhos, desarmados, com pequenas quantidades de droga. A declaração, à época, irritou o governo, pressionado por críticas de setores conservadores e da base aliada, e Abramovay teve as condições políticas de sua permanência no cargo impedidas, pedindo demissão em seguida.

Na campanha eleitoral de 2014, de forma inédita o tema da legalização das drogas ganhou algum destaque. A bandeira da legalização da maconha e das drogas esteve no programa de partidos e candidatos de esquerda, e foi levantada em debates nacionais pelos candidatos à presidência Eduardo Jorge (PV) e Luciana Genro (PSOL). Dilma, Aécio e Marina emudeceram sobre o tema.

O que esperar deste governo? Na semana passada, quando perguntado sobre como resolver o problema da superlotação dos presídios, o ministro Cardozo defendeu a abertura de novas vagas e a aplicação de medidas cautelares, como monitoramento eletrônico, e penas alternativas. Mais do mesmo.

Praticamente nulas são as expectativas de que alguma mudança de agenda positiva no tema das drogas seja efetivada via Executivo nos próximos quatro anos, além de brechas pontuais em relação à maconha medicinal. Na semana passada a ANVISA retirou o CBD, um componente da planta, da lista de substâncias proscritas, autorizando legalmente a importação controlada de um extrato de maconha produzido no exterior. O órgão é ligado ao Executivo, e alega tomar apenas decisões técnicas. Entretanto, outros componentes da planta são comprovadamente medicinais e permanecem proscritos; e o cultivo caseiro ainda não está permitido, impedindo acesso barato e sustentável ao remédio.

Bibliografia:

Boiteux, Luciana. “Tráfico e Constituição: um estudo sobre a atuação da justiça criminal do Rio de Janeiro e de Brasília no crime de tráfico de drogas”. In: Revista Jurídica volume 11, n. 94, 2009.

Burgieman, Denis. O fim da guerra: a maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as drogas. São Paulo: Leya, 2011.

Delmanto, Julio. Camaradas Caretas: Drogas e esquerda no Brasil após 1961. Dissertação de mestrado em História Social. Universidade de São Paulo, 2013. Disponível em:http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-29052013-102255/pt-br.php

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[1] Há duas exceções, uma na Câmara dos Deputados e outra no Senado. Na Câmara, dois projetos de lei propõem a descriminalização do uso de drogas e a regulamentação do mercado de cannabis, apresentados no início de 2014 pelos Deputados Eurico Junior (PV) e Jean Wyllys (PSOL) – sem qualquer perspectiva real de serem encaminhados, e muito menos aprovados. Já no Senado, uma sugestão legislativa apoiada por vinte mil pessoas no site da Casa levou à realização de audiências públicas onde especialistas foram convidados a debater o tema, resultando em um relatório produzido pelo senador Cristovam Buarque que conclui pela regulamentação do uso medicinal da maconha e pelo seguimento do debate sobre o uso recreativo.
[2] São elas: advertência, serviços à comunidade, programa educativo e multa. Em um relativo avanço, a lei passou a equivaler formalmente o simples uso às atividades de cultivo caseiro para uso.
[3] A tipificação fica a cargo do juiz, levando em consideração quantidade de droga apreendida (mas sem estabelecer limites mínimos ou máximos), local, circunstâncias sociais, pessoais e os antecedentes do acusado.
Ilustração de Capa: Carlos Latuff

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