Literatura Sativa: Che Cannabis e o Castelo da Morte

A história de Che Cannabis continua e sua luta antiproibicionista só está começando. Acompanhe mais uma aventura do herói brasileiro da maconha. Boa leitura!

Pensei novamente no Jornal National. Aquele jornal televisivo, naquele dia em que falaram da minha cidade, eu assistindo ao vivo sem internet, vi que passou uma manchete de ampla importância para o povo brasileiro: “Políticos corruptos no Brasil roubaram seis milhões de URD (Unidade Real de Desvalor), através do mundo virtual”.

A ignorância é pior que tudo! Eu via e nada fazia, a não ser pensar em escrever um dia um livro sobre a minha ignorância de ver tudo e nada com nada dizer ou resolver. Chegou o dia! Eu hei de te revelar meu preconceito todo:

— A pessoa que usa maconha e gosta de leitura, torna-se um
maconheiro dos meus!

Se você não sabia, fique sabendo agora: sou muito dado, por isso o herói, que é herói, se precisar salvar, recupera até o inimigo que morrerá no perigo. Salva sim, salva mesmo, que é pra demonstrar a honra de ser um herói épico. Eu sou um herói épico bem maconheiro. Vivo da ciência de ser um professor de letramentos.

Queria ensinar mesmo era Linguagem. Sinto-me até preparado, mas hoje não. Estou preso neste livro. Em breve, eu hei de me libertar, exibir-me despido de discurso. Eu sou assim versátil até morrer.

Até o final desta história, que é autobiográfica, terá uma reunião dos deuses antigos a interceder por mim, facilitando a publicação deste livro plantado.

Eu imagino Deus em tudo. A história do “sem Deus, nada feito” cabe na ideia do herói ser salvo por Hermes ou por Eros, diante de Zeus, o deus dos deuses, e diante de Perséfone, a rainha da morte que habita o meu Hades. De lá ninguém volta, a não ser Psiquê. Volta, mas não volta: vira deusa!

Agora, nesta parte do livro, eu hei de assumir toda a verdade de ser leigo, de não saber namorar de jeito nenhum, nenhum.

Falo namorar sério: eu não sei o que é isso.

Só sei o que é namorar ao vento.

Tenho dificuldades até hoje, mas isso desde quinze anos. Em outras palavras, não quero dizer que fui donzelo. Quero revelar apenas que, aos 23 anos de idade, por não saber namorar, eu virei um pai. Eis o mistério da verdade: eu não estava nem pronto, nem qualificado pra carreira paterna. Nem até hoje, preso e com o lado pai gradeado.

— Onde puseram meu Auxílio Reclusão, Doutor?

O presidente me garantiu que o servidor público seria
respeitado em sua gestão. Era uma retórica.

Voltando ao assunto, ser pai exige um salário mínimo, e no mínimo isso. Um salário mínimo da Dinamarca, Holanda, Rússia, Canadá, Inglaterra, Estados Unidos da América e por aí vai: o do Brasil é um crime.

Como ser pai, se os meus pais nunca foram meus pais de verdade, no amor e na educação? Cresci torto. Papai e mamãe, casados há trinta e dois anos, foram os pais mais caretas do planeta. Eram brasileiros e religiosos. Sabiam de amor ao próximo e sabiam que, por nunca ter a vez na vida, eles eram sempre os próximos. Achavam-se dignos de amor, mas não sabiam amar o seu filho.

Eu, sendo pai, agora eu poderia fazer mil diferenças. Está em mim isso tudo: afinal de contas, eu prefiro ser etéreo (ou estéril), a ser um átomo derradeiro de diamante valioso com um alto risco de fazer o espelho da madame cair no pó. Vou revelar uma coisa chata: pra cantar no tom sempre me fugiu o dom e, por isso, virei professor-alfabetizador de presos, no Castelo da Morte, a cadeia pública de meu Deus.

Entrei no trabalho de ser guarda aos 23 anos, pela porta da frente na graça de Deus, filho da Deusa. O Castelo da Morte gelava o ar da cela e do alojamento na madrugada. Virava ventilador e ar-condicionado simultaneamente. Lá, eu atuei como um jovem Guarda Prisional, até os 33 anos. No início da carreira, penetrando aquele Hades pela porta da frente, me dei de cara com o Diabo dando ordens a todos abaixo de Deus e Deusa.

O Diabo trabalha lá na portaria. O capeta tem farda e cassetete, arma de fogo e spray de pimenta. O Arcanjo Gabriel, vitalício Secretário Executivo e Geral da Justiça de Deus, investiu na
indrumendária do Dito-cujo.

O Satanás é um vigia que carrega uma bomba de gás lacrimogêneo
e uma outra de efeito moral, com recursos oriundos da divina providência. Depois, se precisar, ele usa a sua faca de abrir bucho de gente maconheira sem-vergonha, segundo seu linguajar. Sua missão é arrancar informações de detentos no Castelo da Morte.

Eita Diabo que condena o povo brasileiro!

Sua sentença repetida por mais de mil anos, no Apocalipse, é de tirar o fôlego na prisão do Castelo da Morte. Com o hálito fora do prazo de validade, o Capeta teorizava feito um filósofo de televisão na cadeia e repetia sempre a ensinar os novatos guardas:

— Democracia é o inferno, e o Brasil é o paraíso.

Certa vez, o Diabo avistou o carro da polícia chegando vazio do
trabalho e ordenou aos seus funcionários:

— Filhos de Deus, vão trabalhar… A polícia aqui não incomoda o nosso infinito Senhor Deus, nem no Castelo da Morte. Vieram pedir favor? Incrédulos! Só se for por cima do fogo de toda a Legião de mal-aventurados servidores.

Dizem que Deus mora nos piores lugares, eu não sei. Se ele não mora lá, nas cadeias públicas brasileiras, ao menos faz visita que é pra saber quem vai preso e quem fica sempre servidor. A polícia quer sempre estar com Deus, mas esquece de trazer o ladrão vivo e humilha o cidadão brasileiro, por fumar uma erva resinosa, mesmo sabendo que é contra a lei federal maltratar um usuário.

Eu fico besta! A Besta Fera reza pra Deus, Che Cannabis também. Eu em Deus e a Besta Fera perfura-me: almas felinas!

Viva o mundo imaginário! Viva o imaginário do mundo. Saibam todos os conservadores que fumar maconha é real de saudável pra muita gente, com algumas exceções. Foi por isso que, paradoxalmente, o carro da polícia deu meia volta e partiu à procura de um próximo baculejo. À procura de uma quantidade ínfima de maconha no bolso de algum jovem sem dinheiro do bom, sem estudo do bom, sem parentesco do bom: um sujeito que faz comércio de avião em avião e um dia chega lá flutuando! A Embraer é fichinha. No tráfico de drogas, o avião leva e trás a coisa pra o usuário fazer uso medicinal, inconsciente ou não, e andar solto no mundo, sem passaporte com hora de chegada.

Outra coisa, desculpe-me os termos de baixo escalão, mas confesso: avião é quem se fode no baculejo.

O usuário também apanha, mesmo que seja crítico.

A polícia encontra-se presa à ideia de morte no Brasil. Enquanto isso, a coisa toda das drogas faz enorme sucesso por aqui. Inclusive, a farmácia anda cheia, o bar anda cheio, o supermercado vende coca-cola e doces, em atacado, e as drogas continuam existindo…

Waldemar Valença Pereira é Professor, mestre profissional em letras e autor da obra literária  “Pé de Maconha – Che Cannabis nas andanças da ciência” que aborda a erva em prosa e poesia. Entre em contato com o autor através do emailchecannabis@hotmail.com ou através da redação pelo contato@smokebuddies.com.br.

Ilustração: Cacique Zé Coice, João Divino e Danieluiz

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